Por Thiago Parente*
O Acordo do Metano, anunciado na COP26, em Glasgow, é um grande desafio para a pecuária brasileira e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para ampliar o ESG no setor. O documento, assinado por mais de 100 países, entre eles o Brasil, estabeleceu o compromisso de cortar em 30% as emissões do gás , apontado como vilão do aquecimento global, até 2030.
Segundo negociadores do governo brasileiro, “seria burrice” o país ficar fora do acordo.
Primeiro, é preciso ter em mente que, com a crescente demanda mundial por sustentabilidade, a participação do Brasil, como maior exportador de carne bovina do mundo, reduz o risco de os produtos do país serem alvo de boicotes e imposição de barreiras não tarifárias por parte de países importadores como os europeus.
O metano é gás de efeito estufa (GEE), mais nocivo e ao mesmo tempo com duração na atmosfera bem inferior ao dióxido de carbono (CO2). Por isso, o corte nas emissões deste gás tem efeito mais rápido para frear o aquecimento global.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) , o metano tem sido responsável por cerca de 30% do aquecimento global desde a época pré-industrial e, em um período de 20 anos, é 80 vezes mais potente para elevar a temperatura da Terra do que o CO2. Cerca de um terço das emissões deste gás causadas pelas atividades humanas vêm da agropecuária.
No caso da pecuária, a produção do metano pelo gado vem do esterco e das liberações gastroentéricas, ou seja, o processo de digestão dos bois.
É preciso lembrar, no entanto, que as emissões do metano também vêm de setores como o de extração de óleo e gás, dos lixões, dos resíduos nas usinas e da agricultura, como no caso da produção do arroz.
Incentivo ao ganho de eficiência
Uma pecuária mais intensiva e eficiente, de ciclo mais curto até o abate, é fundamental para reduzir a produção do gás neste setor. Para isso, os produtores deverão adotar mais tecnologia e capacidade de gestão para alcançar as metas impostas pelo acordo. Esta é uma das oportunidades geradas pelas novas exigências.
De acordo com pesquisadores da Embrapa Gado de Corte, existe um portifólio de tecnologias disponíveis aos pecuaristas brasileiros para atender a essas demandas , como os sistemas integrados de produção (integração pecuária-floresta, por exemplo), o melhoramento genético animal, o manejo e a recuperação de pastagens degradadas, os confinamentos e os aditivos nutricionais. Uma nutrição mais adequada tem grande potencial para reduzir a produção do metano pelos animais.
Pelo lado da mitigação das emissões, a Embrapa mostra o papel da integração pecuária-floresta. A pesquisa aponta que cerca de 200 árvores por hectare seriam suficientes para neutralizar o metano exalado por 11 bovinos adultos por hectare ao ano . Como a taxa de lotação usual no Brasil é de 1 a 1,2 animal por hectare, a quantidade de árvores é mais do que suficiente para mitigar essas emissões.
O cálculo é feito com a conversão do metano gerado pela digestão dos animais em toneladas de carbono equivalente. O carbono retirado da atmosfera com o crescimento das árvores é o que fica fixado no tronco das árvores. Para se saber a quantidade é só estimar o volume de madeira e, consequentemente, a quantidade de carbono fixada pela floresta. Pelos critérios da Embrapa, o sistema ideal deve ter entre 200 e 400 árvores por hectare.
Mas não é só na mitigação que essa prática ajuda a bater as metas do acordo. A presença de árvores influencia ainda no bem-estar animal. A sombra natural, além de bloquear a radiação solar, cria um microclima com sensação térmica mais agradável. Com o conforto térmico, o animal apresenta maior ganho de peso e a produção fica mais eficiente, com um ciclo de vida mais curto, gerando menos metano para produzir a mesma quantidade de carne.
Outra pesquisa também comprova o potencial das técnicas de manejo com suplementação alimentar do gado na redução dos gases do efeito estufa. Estudo desenvolvido pela ONG Imaflora, no Mato Grosso , mostrou que essas práticas junto com a recuperação de pastagens degradadas, aumento da lotação de cabeças por hectare pode reduzir em quase 90% as emissões.
O papel da boa nutrição para o gado
No caso da suplementação alimentar, o trabalho mostra que, a partir do uso de DDG, um subproduto da produção de etanol de milho, a empresa estudada reduziu em 38% as emissões entéricas dos animais.
Após a assinatura do acordo, o governo brasileiro ressaltou também que já possui programas que tratam do tema. Um deles é o Plano ABC+, que tem como meta a redução da emissão de gases de efeito estufa, entre eles o metano. O objetivo é mitigar o lançamento na atmosfera de 1,1 bilhão de toneladas equivalentes de CO2 (medida que inclui todos os GEE) no setor agropecuário até 2030. Outras medidas lembradas foram a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Programa Nacional Lixão Zero, que já contribuíram para o encerramento de 20% dos lixões desde 2019.
Concordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) quando destaca que o acordo pode levar a mais um aumento de eficiência da pecuária brasileira. A entidade lembra que, para isso, é importante haver investimentos, também por parte do governo, para que essas tecnologias cheguem mais rápido aos cerca de 2,5 milhões de pecuaristas do país.
O aumento da qualidade e da produtividade das fazendas do país nos últimos anos é inegável. Prova disso é o recorde de exportações, com 2,016 milhões de toneladas em 2020, alta de 8% em relação ao ano anterior, em meio às crescentes exigências do mercado internacional.
Os desafios são grandes, mas está na hora da pecuária de corte (assim como todo o país) abraçar de vez os padrões ESG, conforme têm anunciado diversos frigoríficos. Sem eles, o setor terá dificuldades crescentes no mercado internacional e o Brasil sofrerá com os reflexos na economia. Vendo o ecossistema vibrante de agtechs no país, posso me definir, como diria Ariano Suassuna, um realista esperançoso.
*Thiago Parente é fundador CEO do iRancho