Possibilidade de verificar histórico de produtos e serviços é útil para todos que se preocupam com a origem, a segurança e a qualidade do que consomem
O desenvolvimento tecnológico já permite que um consumidor pesquise em segundos o histórico de um produto antes de decidir comprá-lo, para saber se as etapas de processamento respeitaram os preceitos halal dos costumes muçulmanos.
“Mas isso vale também para qualquer pessoa interessada em saber como determinado produto chegou até ela, como quando for comer um frango frito ou um hambúrguer, ao apontar seu celular para o QR Code da embalagem desses itens e verificar onde e como o animal foi abatido, do que se alimentou quando foi criado, de que propriedade veio e até as fontes da ração animal de que se supriu”, afirmou Mian Nadeem Riaz, diretor da Texas A&M Univesity. “Ele tem direito de saber o que está comendo e como o alimento foi processado.”
Riaz resumiu dessa forma o conteúdo debatido no painel “Rastreabilidade e confiança – A tecnologia a favor da segurança do alimento halal” (do qual foi moderador), durante o segundo dia do Global Halal Brazil Business Forum, evento promovido em São Paulo pela Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB) em parceria com a Fambras Halal. As discussões contaram com três das principais empresas fornecedoras de proteína animal para o mundo árabe, que detalharam suas iniciativas a respeito do tema.
Miguel Gularte, CEO da Marfrig, contou que a companhia lançou, em julho de 2020, o Programa Verde+, cujo objetivo é garantir que 100% de sua cadeia de produção seja sustentável e livre de desmatamento nos próximos dez anos. O projeto se baseia em três pilares: 100% de rastreabilidade, transparência e uma cadeia totalmente integrada. “Tomamos essa iniciativa porque constatamos que sustentabilidade e rastreabilidade não são mais uma opção, e, sim, a única alternativa a adotar diante dos desafios atuais”, explicou Gularte.
O Verde+ prevê investimento de R﹩ 500 milhões em cinco anos e já mostra resultados. Cerca de 1.200 produtores, responsáveis pelo abate de 200 mil cabeças de gado por ano, foram incorporados formalmente ao sistema de produção da Marfrig e incluídos em seus programas de rastreabilidade e melhoria contínua. Seus produtos também passaram a ter mais acesso nos mercados interno e externo.
“À medida que o produtor vem para o sistema formal, passa a agregar transparência a seu processo de produção”, afirmou o CEO da Marfrig. “A sustentabilidade e a rastreabilidade são formas de inclusão de produtores e de aumento da oferta de alimentos, pois trabalhamos num segmento cuja demanda é maior que a oferta. Então, quanto mais produtos trouxermos para esse sistema, mais teremos competitividade em preço e em custo.”
João Campos, presidente da Seara (Grupo JBS), contou que a empresa usa a tecnologia para ampliar a eficiência, a segurança e a sustentabilidade de todo o ciclo de produção de aves, por meio de uma plataforma chamada de Superagrotec, que integra 100% das granjas ligadas à companhia de maneira digital.
De acordo com Campos, esse projeto impacta mais de 10 mil famílias. Trata-se de um aplicativo que conecta os produtores, a equipe técnica e a Seara, com transparência e agilidade nas informações, tudo em tempo real, com sistema de gestão e controle de matrizes e aves, digitalização de rotinas, gestão das informações, acelerando a tomada de decisão, sistema integrado de monitoramento e rastreamento dos transportes agropecuários, mapeados desde a saída das granjas até a chegada às fábricas da Seara.
“Demos início à instalação de sensores para a internet das coisas, a fim de monitorar o bem-estar dos animais, a temperatura, umidade e qualidade do ar, peso e comportamento”, disse o presidente da Seara. “Trabalhamos ao longo de toda a cadeia produtiva com diferentes tecnologias, procurando assegurar a rastreabilidade e a qualidade dos alimentos. Todas as fábricas de rações da Seara são próprias, o que também garante a rastreabilidade de todos os insumos que vêm para essa cadeia.”
Lorival Luz, CEO da BRF, lembrou que há mais de 50 anos a companhia está presente no mercado halal, principalmente com a marca Sadia: “Faz parte de nossa estratégia continuar cada vez mais presente nos países árabes. Exportamos para 14 países da região, com toda a certificação halal necessária, bem como com a rastreabilidade completa de todas as matérias-primas empregadas na produção desses itens. Temos presença local em quase todos os países do Oriente Médio e nos Emirados Árabes Unidos, uma distribuidora e uma planta em Abu Dhabi, na Arábia Saudita, estabelecida desde 2014, que hoje conta com 500 colaboradores, que produzem alimentos de qualidade com as nossas marcas e os distribuem para toda a região”.
Conforme Lorival Luz, a região é um mercado prioritário para a BRF, no qual a empresa já anunciou investimentos de US﹩ 120 milhões para o início da produção na Arábia Saudita de produtos industrializados, a fim de atender a todo o mercado local e exportar aos demais países da região. “É nosso objetivo aumentar a presença na região e fazer parte do dia a dia das famílias dessas nações.”
Guy de Capdeville, diretor executivo de Pesquisa e Desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), explicou que a companhia atua na pesquisa científica, desenvolvendo soluções sustentáveis para o agronegócio nacional, como a produção de rebanhos com conforto para os animais, com o uso de sistemas integrados de produção. “Quanto menos estressados, melhor a qualidade do alimento derivado desses animais”, disse Capdeville.
A integração lavoura/pecuária/floresta, onde se associa a produção de grãos à de pastagens, junto com a produção animal e a de árvores – continuou o diretor da Embrapa -, permite equilibrar o balanço de emissões desse gado, o que ajuda o produtor e as empresas que comercializam o alimento a partir desses produtores a garantirem para o mercado consumidor a sustentabilidade de como o animal é produzido.
Ao buscar a redução de emissões nesses sistemas integrados, também se procura trazer outras tecnologias, como o uso de semiconfinamento, em que se pode trazer alimento concentrado para o animal no cocho e, ao mesmo tempo, pastagens com alto teor de proteína, muitas vezes com a recuperação de áreas degradadas. A soma disso tudo gera sustentabilidade que pode ser comprovada com métodos de acompanhamento.
“Outro aspecto importante que buscamos desenvolver na Embrapa são soluções de insumos de base biológica, em substituição aos de origem fóssil, como moléculas para o controle de verminoses, antibióticos que venham de fontes renováveis, controle de pragas como carrapatos por meio de alternativas biológicas para controlar esses parasitas”, afirmou Capdeville.
Para Tamer Mansour, secretário-geral da CCAB, o Brasil sabe fazer o halal, mas falta-lhe “marketear” isso para o mundo. Por isso, o país vem sofrendo ataques internacionais em relação a questões de sustentabilidade de diversos concorrentes mundiais que querem mostrar uma cara que o Brasil não tem.
“Nos últimos dois anos, um dos esforços da CCAB é trabalhar a imagem do produto brasileiro, não só da proteína. Uma das iniciativas foi desenvolver plataformas para reduzir a burocracia nas relações comerciais entre quem vende e quem compra e as autoridades públicas, reduzindo também os custos envolvidos nesse processo, por meio de digitalização”, afirmou Mansour. “Para o consumidor final, o projeto de rastreabilidade da CCAB tem as feições de tudo o que foi discutido aqui pelos participantes deste painel, com sistemas integrados e complementares entre quem produz, quem vende e quem compra.”
Ali Hussein El Zoghbi, vice-presidente da Fambras Halal, destacou que o mercado islâmico conta hoje com 2 bilhões de pessoas e, em 2060, prevê-se que chegue a 3 bilhões. “Somente 20% dessa população de maioria islâmica consome halal, o que dá a dimensão do espaço para esse mercado crescer”, disse Zoghbi. “Mas o islã não é um bloco monolítico. Cada país tem a sua peculiaridade. As características culturais de cada comunidade são muito diferentes. Na Indonésia, mercado em que o Brasil ainda engatinha, há 270 milhões de habitantes.”
O vice-presidente da Fambras Halal apontou que mesmo em países de minoria islâmica, como o Japão, é de admirar a quantidade de certificações halal, situação semelhante à da China e de Hong Kong. “O halal, nesses mercados, acaba sendo um selo de qualidade.”