Quem vem acompanhando o crescimento do mercado de transferência de embriões (TE) bovinos no Brasil pode se surpreender ao relembrar que, anos atrás, a tecnologia era considerada uma prática reservada para a pecuária de elite. O avanço constante dos processos tecnológicos relacionados à fertilização in vitro (FIV) e transferência de embriões levaram a uma elevação da acessibilidade da técnica, o que, por sua vez, permitiu a chegada do processo de democratização que vivemos hoje.
Na prática, o que isso significa é que cada vez mais produtores de leite e carne do Brasil estão utilizando embriões bovinos em seus rebanhos. Os benefícios da FIV e da TE exercem um impacto impressionante no melhoramento genético dos animais, tendo como protagonista a aceleração do avanço de gerações – é esse o grande atrativo para o produtor que decide investir em embriões como alternativa ao sêmen, por exemplo. Algumas tecnologias de TE oferecem ao pecuarista a possibilidade de avançar até cinco gerações em apenas uma – um benefício que deve despertar o interesse de qualquer criador.
Além disso, o aumento da velocidade do melhoramento genético está evoluindo acompanhado de resultados reprodutivos que trazem ainda mais retorno financeiro para o produtor. Em rebanhos de corte, é relativamente comum encontrar taxas de concepção que alcançam impressionantes 80% – um resultado que, vale ressaltar, depende de um manejo minucioso e eficiente. Mesmo assim, a quantidade de criadores que comemoram taxas estabilizadas na casa dos 50 a 60% é o bastante para indicar com confiabilidade a técnica da FIV para muitas propriedades em todo o país.
Nesse cenário, muitas fazendas reconhecidas pelo mercado nacional de genética bovina estão se destacando pelo uso de embriões em seus programas de melhoramento genético. Não é por acaso que criatórios de Nelore estão entre aqueles que mais crescem no uso de embriões – já que o mercado vem seguindo uma tendência para valorizar o animal da raça zebuína focado em avaliação genética e produção. A FIV é uma técnica que contribui para o aumento do volume produtivo do rebanho, uma meta cobiçada pelos produtores de carne.
Em grande escala, o resultado disso é uma pecuária com cada vez mais embriões – mas ainda com muito espaço para crescer. Um estudo da Universidade de Brasília apontou que, em 2017, o Brasil produziu um total de 345.528 embriões in vitro bovinos, incluindo 165.053 embriões de raças de corte (taurinas e zebuínas). No mesmo ano, a produção de embriões in vivo ficou em apenas 29.975, para se ter uma perspectiva.
Em 2018, o nosso país respondia por cerca de 34,8% da produção global de embriões in vitro, de acordo com o mesmo estudo, consolidando a FIV bovina brasileira como uma das maiores do mundo. Na verdade, hoje, o Brasil é o principal produtor de embriões por meio da FIV, exportando para países como Bolívia, Uruguai, Paraguai e Costa Rica, mas também para destinos mais remotos, como Botswana, Moçambique, República Dominicana e Etiópia.
Para 2022, a expectativa é que o Brasil produza mais de 700 mil embriões FIV, com mais de 60 laboratórios em funcionamento em nível nacional. De acordo com os números da IETS (Sociedade Internacional de Tecnologia de Embriões), essa quantidade corresponde a 60% dos embriões FIV produzidos em todo o mundo.
E o melhoramento genético acelerado é apenas um dos elementos marcantes da produção de embriões bovinos. O consumidor mundial está exercendo uma pressão crescente sobre a qualidade dos produtos de origem animal, bem como a sua escala e padronização – todos estes são objetivos que a reprodução artificial ajuda a cumprir.
O manejo também contribui para a maior acessibilidade da técnica de transferência de embriões no Brasil. Um exemplo é a simplicidade de armazenamento do material genético: é possível manter os embriões congelados no mesmo botijão de nitrogênio líquido que o produtor usa para armazenar o sêmen. A partir daí, o criador pode optar por sincronizar diversas vacas para transferir estes embriões em um determinado período de tempo ou, então, pode transferi-los utilizando o cio natural rotineiro da sua propriedade, sete dias após o cio.
Outra estratégia que surte bons resultados é a utilização de embriões juntamente à IATF (inseminação artificial em tempo fixo). Programas de IATF de todo o país são parceiros da técnica de TE, já que ela pode ser vista como mais uma alternativa no manejo reprodutivo, permitindo que o progresso genético continue no rebanho – a ideia é utilizar as matrizes com alto valor genético do rebanho como doadoras, enquanto as matrizes inferiores são usadas como receptoras, sem aumentar qualquer tipo de manejo, imprimindo, assim, a maior velocidade de ganho genético no rebanho.
Por outro lado, é claro que o manejo sanitário, nutricional e hormonal das receptoras constitui aspectos fundamentais para o sucesso da técnica de transferência de embriões.
Uma série de medidas e orientações pode ajudar o criador a selecionar as suas doadoras e receptoras, bem como manejá-las da melhor forma para garantir os melhores resultados, sempre priorizando o bem-estar animal.
Já as receptoras devem ser escolhidas de acordo, principalmente, com a saúde do animal e os padrões mínimos de qualidade. Os animais devem estar em maturidade sexual e ter a vacinação em dia (incluindo IBR, BVD e leptospirose) e exames negativos para brucelose e tuberculose. O touro deve ser retirado 30 dias antes do início do protocolo e todas as vacinações e medicamentos para controle de ectoparasitas devem ser aplicados antes do início do protocolo. Deve ser utilizado sal mineral específico para reprodução, e o criador deve evitar a utilização de animais que já tenham sido submetidos à IATF e monta natural e que continuem vazios. Por fim, é recomendado que sejam descartados do programa de TETF aquelas receptoras que já tenham sido ressincronizadas por quatro ou mais vezes sem emprenhar.
É essencial, ainda, que as receptoras passem pela avaliação de um médico veterinário. O uso do ultrassom é imprescindível, bem como a aferição de outros fatores, como a condição do útero (que deve estar totalmente involuído, sem metrite, com boa espessura e bom tônus, e com, pelo menos, 30 dias pós-parto), ovários (verificar a presença de corpo lúteo e folículo dominante) e cérvix (animais com a cérvix torta, impossibilitando a passagem do inovulador, devem ser retirados).
No dia da transferência de embriões, é importante que todas as receptoras sincronizadas sejam avaliadas pelo veterinário, para selecionar aquelas que estão aptas para receber o embrião. Em média, 80% dos animais protocolados serão aprovados para a TE.
Uma das dúvidas mais frequentes dos criadores é o que fazer se a vaca perder o implante. Ao detectar a perda, deve-se inserir a mão com luva pelo reto ou vagina da receptora e verificar se o implante se encontra no interior do canal vaginal. Se o implante não estiver presente, deve-se anotar a numeração do animal e continuar os procedimentos normais do protocolo, com aplicação dos demais hormônios.
Para resumir, é possível seguir uma lista de tarefas e orientações gerais que podem ajudar a aumentar a taxa de sucesso da transferência de embriões:
- Seleção das receptoras:
- Realizar exames e vacinação em todos os animais submetidos ao programa reprodutivo;
- Selecionar fêmeas com boa habilidade materna e com aptidão reprodutiva, de acordo com a avaliação médica.
- Manejo:
- Certificar-se que os animais estão em boas condições nutricionais;
- Promover a estrutura funcional, minimizando o estresse durante os dias de manejo, com a equipe preparada e capacitada para o trabalho a ser realizado;
- Evitar o manejo de animais gestantes.
- Protocolo:
- Escolher o protocolo mais adequado de acordo com a raça, categoria e estrutura da fazenda. Em caso de dúvidas, seguir as orientações do médico veterinário.
- Transferência de embriões:
- Realizar a transferência somente nos animais que responderam ao protocolo de sincronização;
- É essencial que o processo seja realizado por um médico veterinário que domine a técnica de inovulação.
Raphael Guimarães é gerente de Mercado Embriões da ABS – [email protected]
O artigo é destaque na edição de setembro da Revista do PecSite, acesse a partir da página 44.