Lote de 155 animais foi embarcado no último domingo (7/5) no aeroporto de Viracopos e outros 162 serão enviados esta semana.
Aos poucos, os touros guzerá de 24 a 36 meses de idade vão ocupando seus lugares na aeronave Boeing 777. O cargueiro não tem assentos. No lugar das poltronas irão 33 baias com quatro a cinco animais cada, totalizando de 155 cabeças de gado cuidadosamente embarcadas com destino ao Senegal. Trata-se de uma primeira remessa de um total de 312 animais adquiridos pelo país africano – a maior exportação via área de machos melhoradores guzerá desde a chegada da raça zebuína indiana ao Brasil, ainda na década de 70.
“Ninguém nunca reuniu tantos touros guzerá, principalmente PO, que é puro de origem, registrado, e para melhoria genética, de reprodução”, conta, orgulhoso, diretor-presidente da GBC Internacional, Cristiano Lima. Há 23 anos no mercado, a empresa é pioneira no envio de animais por via aérea para o oeste da África, atendendo desde 2015 a um programa do governo senegalês para melhoramento do rebanho local.
Originário de áreas desérticas da Índia, o guzerá é uma raça extremamente rústica, resistente e com uma excelente conversão alimentar. Foi o primeiro zebuíno a ser introduzido no Brasil e, devido a sua aptidão tanto para corte quanto para leite, é bastante demandado para melhoramento genético de rebanhos, dando origem a raças como o guzolando (quando cruzado com raças holandesas para produção de leite) e do guzonel (cruzamento com nelore, para produção de carne).
“O guzerá é tão bem sucedido nos cruzamentos que, nos anos 1920 e 1930, isso quase levou a raça a deixar de existir”, conta o presidente da Associação de Criadores de Guzerá e Guzolando do Brasil (ACGB), Carlos Fontelle.
Ele destaca a forte demanda por fêmeas da raça para cruzamento com touros gir, o que deu origem ao Indubrasil “Ele era muito valorizado na época e não havia crescimento do rebanho. Na verdade, houve uma redução no rebanho guzerá pela demanda das fêmeas para fazer o Indubrasil”, recorda o pecuarista.
Venda de gado vivo cresce sob mira de entidades protetoras
Terceira geração a assumir a Guzerá NF, Fontenelle é também um dos produtores escolhidos pela comitiva do Senegal, que, em março, percorreu sete Estados brasileiros por 25 dias na escolha dos animais com melhor perfil fenotípico. “Diferentemente do que fazemos no Brasil para fazer a escolha do animal visando o histórico genético dele através de documentos, os senegaleses não se importam tanto. Eles vão mais pela morfologia, estilo do animal e, então, batiam o olho e escolhiam. Não olhavam nem o documento”, relata Cristiano, que acompanhou a comitiva.
A escolha visual, contudo, não significa pouca exigência. Além da idade, as especificações do importador eram de animais que fossem registrados pela Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ). Os animais escolhidos foram enviados para uma quarentena em Ibitinga, a 350 quilômetros do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP). Lá, permaneceram 20 sob avaliação seguindo os protocolos sanitários firmados entre Brasil e Senegal. Só então os touros, cujo valor é em média três vezes ao de um boi de abate, foram liberados para a viagem de avião.
Primeira classe
O perfil dos animais é, entre outras razões, o motivo pelo qual a carga foi despachada por via aérea, um modal logístico duas vezes mais caro que o marítimo, mais utilizado. Ao todo, o Brasil enviou 183 mil cabeças de gado para o exterior em 2022, mas são raros os casos em que esse tipo de carga é enviada por avião, segundo conta o diretor da Agroexport, Alexandre de Castro Cunha Carvalho.
“O animal vivo não é carga predileta deles das companhias que operam voo cargueiro. Dá mais trabalho, tem que ter um preparo diferenciado da aeronave por questão de temperatura, idade, fiscalização. Por isso, o animal que vai pela via aérea normalmente é de alto valor genético. Quando são animais mais baratos, simplesmente para produção, e os volumes são maiores, vão de navio”, pontua Alexandre.
Para fretar um navio, a quantidade mínima é de mil animais. Como a remessa atual é de pouco mais de 300, foi de avião. No segundo semestre deste ano, está previsto um embarque por via marítima para o Senegal, quando serão enviadas vacas prenhas, bezerros e novilhas. É parte de um acordo para o envio de mil cabeças por ano ao país. O esforço lembra a movimentação feita pelo Brasil na década de 70 para melhorar seu rebanho, mas numa escala muito maior, explica o presidente da ACGB.
“A quantidade de touros que eles estão importando, já importaram e continuarão importando por mais uns anos, está numa intensidade muito maior do que a que foi observada aqui no Brasil. Aqui, foram poucas importações, em 1920, em 1960 e em 1962. Depois disso, fechou. E sempre foram com poucos animais. Veio muito mais nelore da Índia do que guzerá”, afirma Carlos Fontelle.
De importador, o Brasil se tornou referência na raça guzerá, despertando a atenção mundial para a genética desenvolvida aqui, hoje com um porte geralmente maior do que o encontrado em seu país de origem. Juntamente com outros zebuínos, como o próprio nelore, ente outras raças, ele figura entre os mais demandados na exportação de gado vivo.
“O trabalho de seleção desenvolvido pelos criadores brasileiros foi notável para todas as raças zebuínas que vieram para o Brasil. Elas foram aprimoradas significativamente. Mas hoje podemos dizer, pelos resultados de outras importações que o Senegal fez do Brasil, que o guzerá foi se mostrando a raça que tem o melhor desempenho por lá e a que eles têm uma preferência”, completa o presidente da ACGB.