Uma estrutura financeira inovadora viabilizou a emissão de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) Verdes que vão permitir investimentos de US$ 47,24 milhões (R$ 232,2 milhões) na expansão sustentável da produção de soja no bioma do Cerrado brasileiro. Os recursos irão financiar 122 propriedades rurais, com juros inferiores à média de mercado, mediante o compromisso de desmatamento e conversão zero de mata nativa, incluindo os excedentes de reserva legal – ou seja, áreas que poderiam ser desmatadas legalmente – no Mato Grosso, Goiás e Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
Os green bonds foram adquiridos pelo Santander Brasil e Rabobank, responsáveis por aportes de US$ 12,62 milhões cada um, e pelo fundo europeu de investimento de impacto AGRI3 (US$ 11 milhões). Esses recursos se somam a outros US$ 11 milhões alocados pelas varejistas britânicas Tesco, Sainsbury’s e Waitrose em um fundo criado pela iniciativa Responsible Commodities Facility (RCF), em agosto de 2022. O aporte feito à época foi convertido em crédito e integralmente quitado – o que permite que agora esses recursos voltem a ser concedidos a produtores.
O sucesso da empreitada permitiu sua ampliação neste ano, com novos investidores que quadruplicaram o tamanho do fundo em uma operação de blended finance – nome dado a estruturas financeiras híbridas, que podem aliar aportes de instituições financeiras a recursos não reembolsáveis e de filantropia. Os CRAs verdes foram registrados na Bolsa de Viena, na Áustria, e na B3, no Brasil.
A emissão dos green bonds em dólar foi coordenada pela Sustainable Investment Management (SIM), empresa especializada em finanças ambientais e idealizadora do RCF, em parceria com a Opea, uma das principais plataformas de securitização do país, e a Traive, plataforma tecnológica que conecta produtores rurais e investidores, permitindo a análise, o gerenciamento de portfólio e documentação, e monitoramento do risco de crédito. O escritório Pinheiro Neto Associados prestou a assessoria jurídica da operação e o Santander Brasil atuou como coordenador líder da emissão da série brasileira.
A ideia é prover incentivos para a produção e eventual expansão do cultivo sem desmatar áreas de vegetação nativa, mesmo em áreas permitidas pela legislação. Desta forma, a emissão terá como lastro as 260 mil toneladas de soja estimadas para a safra 2023/2024, o que resultará na conservação de uma área de 43,4 mil hectares de vegetação nativa – sendo 11,3 mil hectares de excedente de reserva legal – capazes de estocar mais de 20 milhões de toneladas de carbono.
Governança
As propriedades seguirão os critérios socioambientais da Iniciativa IFACC – Innovative Finance for the Amazon, Cerrado and Chaco. O cumprimento dos critérios e os impactos ambientais serão continuamente monitorados e reportados a um Comitê de Sustentabilidade, no qual mantêm assento ONGs internacionalmente reconhecidas – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (UNEP), The Nature Conservancy (TNC), BVRio, Conservation International, Proforest Initiative Brasil e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazonia (IPAM).
“Após uma bem-sucedida primeira operação, em que a totalidade do crédito concedido foi quitada e não houve qualquer desmatamento, o programa está agora sendo escalado rapidamente para garantir que mais soja seja produzida e certificada como livre de desmatamento e conversão. Estamos animados para trabalhar com nossos novos investidores e aumentar nossa capacidade de dar escala a essa iniciativa agora e no futuro”, afirma
Mauricio de Moura Costa, CEO da SIM Brasil.
“A primeira emissão do CRA Verde em dólar do último ano foi um enorme sucesso entre os investidores, tanto que esse ano a operação cresceu mais de quatro vezes em volume. Isto demonstra claramente o potencial do agronegócio brasileiro, bem como o forte interesse de investidores privados, que confiam em uma análise de crédito especialmente qualificada e produtores responsáveis que respeitam os critérios socioambientais positivos da operação. Estou confiante de que essa demanda continuará a crescer significativamente ano após ano”, comenta Fabricio Pezente, CEO da Traive, plataforma tecnológica baseada em IA que conecta a cadeia de suprimentos agrícolas com o mercado de capitais, e que também participa da estruturação do fundo tanto no último ano quanto nesta nova operação.
“Este é o segundo CRA Verde em dólar emitido e listado na Bolsa de Viena pela Opea e o terceiro no mercado local”, explica Renato Barros Frascino, sócio e head de Agronegócios da Opea. “A iniciativa abre uma porteira para que produtores que atuam de forma sustentável acessem recursos no exterior que antes eram apenas para grandes empresas brasileiras que emitem green bonds. Frascino explica ainda que o CRA “consolida-se como uma ferramenta que, por meio de emissões de CPR-Fs (Cédula de Produto Rural Financeira) referenciadas em dólares pelos produtores, amplia o acesso de recursos no exterior tendo o mercado de capitais como fonte adicional de recursos para fazer frente a produção e comercialização de grãos sustentáveis no Brasil em um cenário de limitação de crédito rural e desenvolvimento”.
“Temos no Santander um longo histórico de apoio aos nossos clientes na busca de soluções financeiras que promovam a sustentabilidade no agronegócio, incluindo a liderança na escrituração de CBIOs e no financiamento de linhas de crédito voltadas à promoção de práticas agrícolas de baixo carbono. Este CRA Verde demonstra a nossa capacidade de unir esforços e inovar para que os nossos clientes possam atender as mais exigentes demandas do mercado internacional por commodities sustentáveis, e adotar melhores práticas produtivas que preservam os nossos ricos ecossistemas”, afirma Maitê Leite, vice-presidente executiva Institucional do Santander Brasil.
“Como um banco cooperativo, sabemos a importância de trabalharmos juntos para promover um futuro mais sustentável para o setor de alimentos. O desmatamento é um desafio global e um dos principais responsáveis pela mudança climática. A Responsible Commodities Facility é o resultado da coordenação entre diversos atores da cadeia de valor, gerando uma solução escalonável para enfrentar o desafio do desmatamento. O Rabobank tem orgulho de estar investindo nesse mecanismo inovador”, disse Michiel Teunissen, diretor global do TCF Agri,
Rabobank.
A RCF complementa outras iniciativas de produção responsável de soja, como o Manifesto do Cerrado – um compromisso para reduzir o desmatamento causado pela produção de soja assinado pelos principais varejistas de consumo e grupos de produção primária, e o Manifesto da Soja do Reino Unido. A iniciativa faz parte do Consumer Goods Forum’s Forest Positive Coalition Portfolio of Landscape Initiatives e é membro do IFACC.
“A RCF criará impactos tangíveis no clima e na biodiversidade, oferecendo aos agricultores que podem desmatar legalmente as suas florestas um incentivo financeiro claro para não o fazerem”, afirma Greg Fishbein, diretor de financiamento agrícola da TNC.
Para Susan Gardner, diretora da Divisão de Ecossistemas da UNEP, “soluções financeiras práticas, como a RCF, incentivam agricultores a dissociar a produção de commodities do desmatamento e das práticas de conversão de terras, levando a uma melhor restauração da paisagem, à mitigação climática, à adaptação e à proteção da biodiversidade, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e a Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas”.
Tanto a TNC quanto a UNEP são parceiras no desenvolvimento de iniciativas e membros do Comitê de Sustentabilidade da RCF.
O que dizem as redes de varejo pioneiras na iniciativa RCF:
Ken Murphy, CEO do Grupo Tesco: “Há vários anos conduzimos ações da indústria para combater o desmatamento, inclusive desempenhando um papel de liderança na formação do Manifesto da Soja do Reino Unido em 2021. Também assumimos o compromisso de até 2025 só comprar soja de áreas verificadas como livres de desmatamento. Para nos ajudar a atingir esse objetivo, é vital que forneçamos apoio prático e financeiro aos agricultores no Brasil comprometidos com a produção de soja com desmatamento zero e com a conservação da vegetação nativa. Esta iniciativa destaca a necessidade de toda a indústria alimentícia se unir e apoiar a proteção de ecossistemas críticos como o Cerrado. Instamos mais empresas e organizações a se juntarem a nós na oferta de financiamento à RCF, para ajudar na sua continuidade nos próximos anos.”
Simon Roberts, CEO da Sainsbury’s: “Durante a COP26, onde a Sainsbury’s foi o principal supermercado parceiro, assinamos o Compromisso dos Varejistas pela Natureza da WWF, com o objetivo coletivo de reduzir pela metade o impacto ambiental das cestas de compras do Reino Unido até 2030 e combater o desmatamento, apoiando nosso compromisso de alcançar 100% das cadeias de abastecimento livres de desmatamento e conversão até 2025. Para limitar o aquecimento global a 1,5 graus e atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, é vital que protejamos e restauremos florestas e ecossistemas como o Cerrado no Brasil. É por isso que temos orgulho de unir forças com outros para ajudar a financiar a RCF, investindo na produção sustentável de soja e usando financiamento verde para recompensar os agricultores pela proteção da vida selvagem e da biodiversidade no Cerrado.”
James Bailey, diretor executivo da Waitrose: “Estamos muito satisfeitos por ser um dos principais investidores que apoiaram o fundo inaugural, e aplaudimos a Tesco e a Sainsbury’s pela sua liderança também neste aspecto. A Waitrose está comprometida fazer sua parte para proteger e restaurar a natureza, e estabelecemos um compromisso ousado de obter todas as nossas principais matérias-primas de forma responsável até 2025, incluindo a soja livre de desmatamento e conversão. A escala do desafio para impedir a destruição de ecossistemas de biodiversidade como o Cerrado brasileiro exige novas abordagens inovadoras. Esperamos que este fundo demonstre a enorme oportunidade do financiamento verde no incentivo a práticas agrícolas responsáveis, que garantam a proteção das florestas globais. Alcançar este potencial, no entanto, exigirá um engajamento mais amplo e, portanto, apelo às empresas do setor alimentício e aos investidores financeiros para que se juntem a nós no apoio e investimento nesta iniciativa extremamente importante para ajudar a proteger o Cerrado, antes que seja tarde.”