Após pedido das indústrias de carnes, o Ministério da Agricultura reduziu os prazos para a emissão de certificados sanitários para a exportação de produtos de origem animal e de itens destinados à alimentação animal, como ração, sal mineral e farinhas. A solicitação foi feita em meio à mobilização dos auditores fiscais federais agropecuários, iniciada há mais de dois meses, que tem impactado a rotina dos abatedouros.
O prazo para concessão de certificação para exportação de produtos destinados à alimentação animal foi reduzido de 15 para 5 dias, em pleno atendimento ao pleito apresentado oficialmente pelos frigoríficos em 15 de março. Já o prazo para a certificação de exportação de produtos de origem animal, como carnes e ovos, passou de 5 para 4 dias, ante o pedido de redução para 3 dias das indústrias de carnes.
Auditores fiscais federais alertam que a medida poderá gerar atrasos e prejuízos a outras atividades que dependem do aval dos servidores.
O Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) foi contra a alteração, de acordo com manifestação interna obtida pela reportagem. “A diminuição do prazo para emissão dos certificados pode colocar em risco não somente a análise dos certificados emitidos, como toda a credibilidade que o sistema de Inspeção brasileiro tem reconhecida internacionalmente. Essa dificuldade administrativa e a complexidade das análises de verificação ao atendimento aos requisitos para a certificação internacional, tornam inviáveis a solicitação apresentada”, diz a posição técnica do órgão no processo que tramitou no Ministério da Agricultura.
O tempo médio para a emissão de documentos de trânsito nos produtos de origem animal em 2024 é de 4,21 dias, procedimento que tem sido afetado pela mobilização dos auditores fiscais, mas que mesmo assim cumpre o prazo legal de 5 dias. Como em 2023, em situação de normalidade, o processo durava 3,49 dias, a Secretaria de Defesa Agropecuária decidiu reduzir o limite para 4 dias.
Os prazos previstos na portaria são para aprovação tácita dos certificados sanitários de exportação. Ou seja, caso os processos não sejam analisados pelos auditores fiscais federais agropecuários naquele determinado período, eles são autorizados automaticamente.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) afirmaram, em ofício encaminhado ao Ministério da Agricultura, que historicamente o tempo médio para emissão da certificação sanitária nacional é de 2,8 dias.
O pedido de redução dos prazos legais não cita a mobilização dos auditores fiscais nem atrasos gerados nas empresas. A solicitação tem como base a indicação da modernização do sistema de inspeção e a otimização do papel dos médicos veterinários. “Atualmente a emissão e assinatura de um certificado sanitário é puramente uma verificação documental, uma vez que todo processo produtivo já foi fiscalizado”, diz o documento.
Na manifestação técnica, o Dipoa rebate essa afirmação. O órgão diz que a certificação sanitária não pode ser implicada em uma autorização tácita, pois é uma chancela oficial do governo aos procedimentos adotados nos estabelecimentos comerciais em atendimento a acordos internacionais.
O departamento afirma que a falta de controle oficial pode gerar problemas, como a embargo da União Europeia que perdura desde 2017 aos pescados brasileiros. “Uma eventual determinação tácita indicará que o Brasil não cumpriu com sua parte nos acordos firmados, sendo suas cargas exportadas sem a devida verificação e o compromisso de garantir o atendimento dos requisitos acordados, colocando em risco esses acordos e gerando questionamentos quanto a segurança dos produtos e dos tratados firmados entre os países”, diz o texto.
“Podemos exemplificar com um problema diplomático e comercial que perdura até hoje que foi a certificação sem o cumprimento das análises e condições dos produtos por determinação judicial, que culminou com o fechamento do mercado da União Europeia ao pescado brasileiro, desde 2017”, completa.
ABPA elogia medida
A ABPA elogiou a decisão do Ministério da Agricultura. De acordo com a entidade, “a medida contribui para a retomada gradativa da normalidade no fluxo da produção e da exportação, e ajuda a diminuir os prejuízos sofridos desde a segunda quinzena de janeiro deste ano”, quando foi iniciada a mobilização dos auditores fiscais federais agropecuários.
Segundo a ABPA, o movimento dos servidores já causou prejuízos de R$ 80 milhões aos frigoríficos de aves e suínos do país. São perdas acumuladas por atrasos no fluxo de produção e em custos adicionados aos processos de exportação, como as diárias extras em terminais de armazenagem, demurrage, esgotamento de contêineres, falta de espaço em portos e de equipamentos frigoríficos, entre outros pontos.
A associação reforçou sua preocupação com o cenário de mobilização da categoria e apelou ao governo federal pela construção de uma solução que atenda aos vários entes envolvidos, com o restabelecimento da normalidade no fluxo interno e internacional.
Anffa critica decisão
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical) afirmou que a redução dos prazos para emissão de certificados internacionais para produtos de origem animal e itens destinados à alimentação animal “fragiliza o controle sanitário brasileiro das mercadorias para exportação”.
A entidade criticou, principalmente, a imposição da aprovação tácita dos certificados após o prazo, que também foi reduzido. Segundo o Anffa, isso impõe a liberação de certificações internacionais ainda que os produtos não tenham sido auditados.
“A aprovação tácita contida no documento não se enquadra nas condições impostas pelo Decreto nº 10.178/2019, visto que não há cerceamento das atividades econômicas dos estabelecimentos e que a certificação internacional é uma chancela oficial, em decorrência de acordos internacionais bi ou multilaterais, para a comprovação de verificação e atendimento dos requisitos sanitários acordados”, disse o Anffa Sindical, em nota.
O sindicato afirmou que a decisão é grave, já que as cargas poderão ser exportadas sem verificação e sem a garantia de atendimento aos requisitos acordados entre o Brasil e os países importadores, “gerando questionamentos quanto à segurança dos produtos e a continuidade dos acordos comerciais”. A entidade ressaltou que a medida vai sobrecarregar o sistema de auditorias.
Para os auditores agropecuários, a redução dos prazos – de 5 dias para 4 dias, no caso de produtos de origem animal, e de 15 dias para 5 dias, no caso de produtos para alimentação animal – surge em um momento que a carreira sofre com questões ligadas à ausência de remuneração por insalubridade, ao acúmulo de horas extras de trabalho não remuneradas e afastamentos por razões de saúde.
“Ao mesmo tempo que o Ministério da Agricultura e Pecuária anuncia um déficit de 1,6 mil auditores em todo o país, reduz os prazos para emissão de certificados, atendendo a interesses setoriais específicos, desconsiderando ainda pareceres técnicos da própria pasta que ressaltam a dificuldade administrativa e a complexidade das análises de verificação, indicando ser inviável para a carreira atender à nova diretriz”, completa o texto.
“Os auditores agropecuários vão continuar em mobilização por melhores condições de trabalho, contudo, seguem cumprindo seu dever e compromisso com a segurança dos alimentos da população”, finalizou.
A reportagem procurou o Ministério da Agricultura, mas ainda não teve retorno. Abiec também não respondeu até a publicação do texto.