Com diversas estradas bloqueadas e o trânsito prejudicado no Rio Grande do Sul em função de deslizamentos de terra e destruição de pontes em consequência das chuvas torrenciais dos últimos dias, o setor produtivo de carnes já prevê redução de oferta à população gaúcha. A questão logística é o principal problema relatado por empresários ouvidos pela reportagem.
A possibilidade de desabastecimento gerou uma corrida aos supermercados do Estado, com registros de filas e a falta de produtos em alguns casos, cenário semelhante ao vivido na pandemia e na greve dos caminhoneiros em 2018.
Os frigoríficos de aves e suínos do Estado foram bastante prejudicados, pois a maioria das empresas está localizada na serra gaúcha e no Vale do Taquari, locais fortemente afetados pelas chuvas e enchentes. Algumas foram atingidas pelas águas e interromperam abates. Em outras, é impossível o acesso de caminhões com frangos e porcos. Com barreiras nas estradas, a ração não chega para os rebanhos no interior.
Mesmo as unidades que estão longe de áreas inundadas, como na região norte do Estado, enfrentam problemas logísticos e não conseguem escoar a produção. Contêineres vazios para exportação não chegam até os frigoríficos e os carregados precisam ficar no pátio das unidades.
Ainda não há um balanço de prejuízos econômicos ao setor agropecuário, relatam as entidades do setor produtivo. A prioridade agora é salvar vidas, repetem os dirigentes da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav) e do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado (Sips), mas o cenário é preocupante para as empresas.
“Muitas cidades estão sem acesso a suprimentos, como milho e soja, para os plantéis e para escoar a produção. A previsão é de problema de desabastecimento na região metropolitana de Porto Alegre”, disse na sexta-feira (3/5) José Eduardo dos Santos, presidente-executivo da Asgav.
Segundo ele, 70% dos frigoríficos de aves do Estado estão com operações totalmente paralisadas ou com apenas um turno ativo. A principal necessidade das empresas, no momento, é a desobstrução das estradas para normalizar o fluxo de insumos para os animais e de escoamento da produção já processada.
A Agrosul Agroavícola, de São Sebastião do Caí, é um dos frigoríficos paralisados. O último abate ocorreu na terça-feira (30 de abril). A unidade fica na parte alta da cidade e não foi atingida pelas águas, conta Nestor Freiberger, dono da empresa, mas não há condições de operar tanto por conta das barreiras logísticas, que impedem entrada e saída de produtos, quanto pela falta de recursos humanos e a questão emocional, já que grande parte dos colaboradores foi afetada.
“A principal questão é logística. Não podemos trazer frango vivo para abate, nem transportar os funcionários. Não tem como escoar produtos para os mercados. Há desabastecimento generalizado de alimentos e combustíveis acontecendo”, disse à reportagem.
“O Estado inteiro está com problemas estruturais, logísticos. Estamos isolados uma região de outra, são muitas barreiras, muitas estradas e pontes destruídas. As empresas estão sem abater desde terça-feira, pois quarta-feira foi feriado. Quinta e sexta ninguém conseguiu trabalhar”, acrescentou Freiberger.
A planta abate 100 mil aves por dia e recebe animais de 90 municípios gaúchos. A empresa também opera com exportação, tem pedidos fechados e está com embarques atrasados.
“O prejuízo é grande, mas vamos esperar recomeçar tudo e ter uma avaliação”, disse. A previsão é retomar as atividades no frigorífico até terça-feira (7/5), mas a preocupação agora é a desobstrução das estradas para que chegue ração aos frangos nas granjas do interior. “O desabastecimento de carne frango vai acontecer, é inevitável, Rompeu-se um elo da cadeia”, relatou.
Suínos
Na cadeia suína, a situação é semelhante. O Estado abate 40 mil animais por dia e praticamente todas as empresas tiveram os fluxos de abate interrompidos ou afetados, seja por inundações ou pela questão logística, relata Rogério Kerber, presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado (Sips).
Na região norte do Estado, os entraves logísticos estão esgotando a capacidade de armazenamento da produção pronta.
“O problema é comum a todas as empresas. A logística está tremendamente prejudicada em todos os locais. O problema está se agravando com a falta de expedição da produção pronta. Os contêineres vazios não chegam e os carregados não saem porque não tem via para chegar nos portos de Rio Grande (RS) ou Itajaí (SC)”, disse à reportagem. Sem condições de trabalho, algumas empresas já dispensaram funcionários, afirmou ele.
Duas rodovias, que são “artérias” fundamentais na logística do Estado, foram prejudicadas e estão com trânsito interditado em função das barreiras geradas por deslizamentos de terra: as BRs 386 e 116. “A questão logística está impactando bastante”, apontou. A falta de energia elétrica e de meios de comunicação também atrapalha.
Kerber ressaltou ainda a preocupação com os animais que estão alojados nas granjas e a dificuldade de acesso para a chegada de ração.
“Tem que fazer chegar ração para alimentação balanceada dos animais, mas não tem logística, não tem estrada viável para fazer transporte, não tem energia e dependemos dela para ter água para dessedentação dos rebanhos”, explicou. “E isso está estressando, está passando o tempo, não tem solução. Não sabemos como vão conseguir remover as barreiras. Agora é prioridade desobstruir as estradas”.
De acordo com o presidente do Sips, a dificuldade logística atrapalha a movimentação de 120 mil animais por dia, entre os que saem da maternidade para as creches, dessas para a terminação e daí para o abate.
“O abate de suíno diário foi planejado dez meses antes. Tudo isso está parado, sem condição de continuidade, não porque não quer, mas não tem viabilidade de rodovia, de estradas vicinais”, disse. “Estamos de mãos amarradas”, concluiu.
Segundo o Sips, todas as unidades enfrentam problema. Entre as empresas afetadas estão as cooperativas Dália e Santa Clara, a BRF e a Seara.
Kerber lembra que, em alguns casos, empresas e funcionários passam pelo terceiro problema com chuvas e enchentes consecutivos. O primeiro, em setembro de 2023, foi causado pelo ciclone extratropical. No fim do ano, alguns municípios gaúchos foram afetados por cheias de rios.
“São pessoas que perderam casa, toda a sua estrutura familiar, gente que perdeu entes familiares, que estão traumatizados. Como essas pessoas vão trabalhar? Não tem nem condições normais de se deslocar, onde está a cabeça dessas pessoas que perderam tudo de novo? Como eles veem o amanhã?”, lamentou.
Em nota à reportagem a BRF informou que “está priorizando o apoio aos colaboradores e à comunidade do Rio Grande do Sul, após as chuvas que ocorrem no estado”. No texto, a companhia disse que “já está executando seu plano de contingência para mitigar possíveis reflexos na produção”.