Goiás ocupa a terceira posição no ranking nacional de estados com maiores rebanhos no País. Segundo dados do Sistema de Defesa Agropecuária (Sidago) da Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa), são mais de 23,5 milhões de bovinos identificados em 131.813 propriedades rurais espalhadas pelo Estado. Seja de corte ou leiteira, a pecuária é uma atividade importante, porque contribui para criar postos de trabalho e gerar renda nos 246 municípios goianos, movimentar os mercados interno e externo – como exportação de carne bovina -, fortalecer indústrias, comércios, entre outros. É um setor que tem evoluído com o passar dos anos e que pode crescer ainda mais por meio de investimentos constantes no tripé produtivo, que envolve sanidade, manejo e genética.
Devido à relevância econômica e social, é um segmento que tem demandado também atenção especial por causa da variação climática dos últimos anos. Assim como a agricultura, que teve perda de produtividade nas lavouras na safra 2023/2024 – causada pela estiagem e ondas de calor em 2023 -, a pecuária sofre com os efeitos do clima, como excesso de chuva e de seca. Preocupada com a situação que pode ocorrer em 2024, o Sistema Faeg/Senar/Ifag tem orientado, especialmente o pecuarista, sobre como o El Niño e a La Niña podem impactar o campo e a sociedade como um todo no que se refere as pecuárias de corte e leite.
No início de fevereiro deste ano, o presidente do Sistema Faeg/Senar/Ifag, José Mário Schreiner, diretores da entidade e representantes de instituições parceiras se reuniram na sede da Federação da Agricultura e Pecuária (Faeg), em Goiânia (GO), para apresentar cenários e discutir ações que devem ser adotadas para evitar prejuízos tanto na pecuária de corte, quanto de leite no Estado. “A expedição que nós realizamos em Goiás [em janeiro] nos trouxe algumas informações extremamente importantes. São dados que foram montados em cima de metodologias desenvolvidas pela Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e outras entidades de renome nacional. E, claro, trouxe informações sobre as perdas da safra de verão, entre 15% a 20%, e outros alertas com relação ao clima. Nós estamos sob efeito do El Niño e ele vai perder força até o final de abril. Depois vamos enfrentar um período de seca. Isso é o que a meteorologia e a climatologia informam. Nesse período de seca, nós queremos alertar nossos produtores rurais, principalmente os pecuaristas de gado de corte e de leite, no sentido de fazerem reserva de comida, silagem, feno etc. para seus animais”, ressalta José Mário Schreiner.
Ele destaca que essa reserva será necessária, porque a previsão é de Goiás ficar sem chuvas de maio até setembro, quando o La Niña deve chegar forte e trazer períodos chuvosos para o estado. “Vamos ficar um período de cinco a seis meses sem chuvas. Então isso nos leva a orientar e reforçar aos produtores rurais de Goiás que façam reserva de comida para os animais. Nós devemos enfrentar esse período seco e, sem dúvida nenhuma, não tomando as providências necessárias, em julho ou agosto, nós vamos enfrentar um período muito difícil”, explica.
José Mário afirma ainda que o clima já interferiu, por exemplo, na safrinha de milho – cultura bastante utilizada para produção de silagem para o rebanho. “Poderemos ter dificuldade de abastecimento de milho em função da menor safrinha. Então, fazemos já esse alerta ao pecuarista para que a gente possa enfrentar a situação de uma forma mais tranquila ou menos dramática. Outra orientação é em relação à água, o cuidado com a proteção de nascentes, para que a gente possa ter água tanto para o uso com os animais quanto para o abastecimento humano em nossas cidades”, informa.
Opções para a seca
Além de prever ações para os próximos meses, é importante fazer uma avaliação do último ano na pecuária, porque são fatores que interferem diretamente no que está por vir ao longo de 2024. De acordo com o coordenador técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Goiás), Marcelo Penha, o principal impacto do El Niño na pecuária de corte e de leite é a baixa produção de pastagens no período de verão, pois houve uma má distribuição de chuvas nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023. “Isso resultou na diminuição da quantidade de forragem produzida. Logo a seca deste ano, que inicia a partir de julho, poderá ser acentuada, comprometendo a produção de carne e leite, além de aumentar as despesas com alimentação animal entre os meses de maio a outubro”, relata.
Ele concorda com as orientações do presidente José Mário Schreiner de que o maior cuidado será com a reserva de alimentos para o período de estiagem, que pode ser na forma de pastagem reservada, produção de volumoso – por meio de canavial ou capineira – ou de silagem de milho, além de capim. “O pecuarista poderá deixar 20% das suas pastagens para os meses de agosto, setembro e outubro, dessa forma conseguirá amenizar o impacto da seca durante esse período. Caso precise fazer silagem, poderá vender alguns animais do seu plantel para a produção de volumoso, como exemplo a capineira ou a silagem. Dessa forma estaria se prevenindo de uma falta de pastagem. Outra opção seria o aluguel de pastagem, caso a região ofereça essa possibilidade”, acrescenta.
Marcelo Penha defende também que outra forma de evitar possíveis problemas com a seca seria o uso de ração concentrada com milho ou sorgo. “Dessa forma poderia amenizar a baixa quantidade de forragem, lembrando que essa escolha seria de um valor maior, logo necessitaria de fazer um planejamento com um profissional especialista em nutrição animal. Já para quem tem machos com 13 arrobas nos meses de junho a agosto, poderia fazer o uso de boitel, diminuindo o número de animais na sua propriedade, caso entenda que seria melhor do que vender durante esse período. Os recursos financeiros poderiam ser o próprio, bancário ou parceria com outro pecuarista”.
A previsão, segundo Marcelo, é que o momento crítico de seca no Cerrado brasileiro se inicie mesmo em agosto e estenda até final de setembro, melhorando só a partir da segunda quinzena de outubro, quando as chuvas começam a firmar. “O Sistema Faeg/Senar/Ifag, por meio das Comissões de Pecuária de Corte e de Leite, tem feito reuniões junto aos seus membros, mostrando que a Semad [Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável] tem enviado boletim de clima alertando para a possível falta de pastagens devido à alta irregularidade nas precipitações pluviométricas no estado de Goiás em 2023. Também produziu a nota técnica informando dessas condições climáticas”, orienta.
Holofote na pecuária
Para o médico veterinário, pecuarista e analista de mercado do Notícias do Front, Rodrigo Albuquerque, sem dúvida nenhuma, a questão clima tem jogado um holofote de preocupação cada vez maior na pecuária. “A gente não pode esquecer que a pecuária é baseada, no Brasil, numa operação a pasto. É uma fábrica a céu aberto, e essa fábrica produz em função de fertilidade, de luminosidade, de temperatura e de umidade. A temperatura e a umidade têm variado consistentemente, de maneira relevante nos últimos anos, e isso afeta a produção de forragem”, informa.
Ele orienta que é preciso lembrar que a produção de forragem é sazonal e que o capim tem o período de safra, assim como soja, milho, entre outras atividades agrícolas. “Produzimos muito pouca matéria seca por hectare no Brasil Central no período entre maio e outubro, e produz-se muito entre novembro e fevereiro no regime normal de chuvas. Então, uma variação na umidade e, mais recentemente, na temperatura têm potencial de dificultar a produção de massa por parte do capim. E para quem trabalha com Integração Lavoura-Pecuária-Lavoura ou mesmo para quem está reformando pastagens, a gente tem encarado anos desafiadores para a formação de pastagens”. Rodrigo acrescenta que isso ocorre especialmente para aqueles produtores que não olham para o solo. “Quanto menos o sujeito olhar para a fertilidade do solo, menos ele vai ter facilidade com relação ao clima. Cada vez mais o clima, um pouquinho desafiador, já faz um impacto muito grande. Então, acho que é uma lição de casa que o produtor tem que fazer, que é olhar mais para o solo para enfrentar um clima mais desafiador”, enfatiza.
O analista revela também que tudo isso pode ser levado ao extremo, neste ano, porque o El Niño foi o padrão climático que imperou durante o segundo semestre de 2023. “Portanto, as chuvas plantadoras, as chuvas que abrem a safra de verão, tanto para soja, quanto para milho, quanto para o próprio capim, elas tiveram uma irregularidade bastante grande e um volume abaixo da média no Brasil Central. No sul do Brasil, quando ocorre o El Niño, há até um bom volume de chuva excedente em algumas situações. Já no Centro-Norte, no Centro-Oeste do Brasil, ocorre exatamente o contrário. A gente tem uma instabilidade, uma irregularidade e um volume abaixo. E dessa vez foi acompanhado de uma temperatura extremamente alta nos meses de setembro, outubro, novembro até meados de dezembro. E isso impacta sobremaneira a pecuária brasileira, porque retira da pecuária o conforto de uma boa safra de capim”, ressalta.
Pasto como lavoura
Em relação aos cuidados e as dicas ao pecuarista para evitar prejuízo na pecuária por causa do clima, Rodrigo Albuquerque lista que o primeiro, com certeza, é tratar a sustentabilidade e a fertilidade do solo. “O solo é uma lavoura e nenhuma lavoura, nem milho, nem soja, nem nada, é estabelecida em cima de um solo com a fertilidade não corrigida. A primeira dica é tratar o solo, tratar a fertilidade, ou seja, no fundo tratar o pasto como lavoura. A segunda parte é ter algum sistema de seguro alimentar para a época da seca, que é a época de maior desafio, seja através de uma silagem, de uma palhada de agricultura, Integração Lavoura-Pecuária. A estratégia deve ser adotada de acordo com a fazenda, de acordo com a região, mas é possível determinar se é mais viável uma produção de silagem na época do verão para usar no inverno ou uma produção de capim integração para usar no inverno, que é na seca, no caso”, informa.
O analista concorda ainda com a orientação dada pelo Sistema Faeg/Senar/Ifag aos pecuaristas de se fazer reserva de alimentos. De acordo com ele, caso a chuva não retorne no período previsto, é necessário ter esse ‘Plano B’. “Por fim, reforço o manejo de pastagem. O manejo é aquele tipo de tecnologia que não custa dinheiro. É rodar os pastos, mês a mês, a cada 30 dias sem falta, e monitorar o que tem de carga animal com a capacidade de suporte desse pasto. Hoje, já tem tecnologia para fazer isso de maneira muito simples no campo, qualquer pessoa, não precisa ser um técnico, qualquer pessoa treinada faz isso e a gente consegue monitorar igual um saldo bancário. Saber quanto tem de saldo, quanto tem de débito, que é no caso do pasto o animal está ali em cima. E você vai monitorando essa relação, porque pasto é bom para gado, mas gado em excesso mata pasto. É uma relação que precisa ser regulada. Ser vigiada, monitorada, gerenciada e para que se tenha o uso do pasto de maneira perene. Então, manejar capim é uma forma, gerenciar essa relação é fundamental para o pecuarista”, finaliza.