A demora da China em reabrir o mercado para a carne bovina do Brasil preocupa cada vez mais a indústria, confirmou um executivo graduado ao Valor. Mesmo com as vendas aos chineses suspensas – o país absorve mais de 60% das exportações brasileiras – os preços do boi gordo seguem altos no mercado doméstico. Quando o Ministério da Agricultura suspendeu voluntariamente as vendas à China, após a ocorrência de dois casos atípicos do mal da “vaca louca” em Minas e Mato Grosso, poucos acreditavam que a suspensão levaria mais de um mês.
No mercado, acreditava-se que Pequim repetiria o que ocorreu em 2019, quando um caso atípico da doença também motivou a suspensão temporária – pelo protocolo sanitário, o Ministério da Agricultura é obrigado a adotar a medida. Na ocasião, as autoridades chinesas liberaram as compras em 13 dias.
Com mais de 30 dias de portas chinesas fechadas, o reflexo sobre as operações já aflige frigoríficos, e alguns já estão operando com margens praticamente zeradas ou negativas, disse um especialista. Um fonte próxima à indústria também não compreende como o preço do boi gordo ainda não se ajustou devidamente à ausência da China. Na avaliação desse executivo, os preços do gado deveriam estar entre R$ 250 e R$ 260 por arroba para fazer sentido econômico para os frigoríficos.
Sem a China, não há mercados que comprem volumes da mesma magnitude e tampouco com preços remuneradores. Além disso, o Egito também está fechado para o Brasil, o que tira mais um mercado para escoar o dianteiro bovino.
Em setembro, o preço do boi gordo se sustentou na maior parte do mês mesmo com a suspensão chinesa, e só começou a cair na última semana. Conforme o indicador Cepea/B3 para o boi gordo negociado em São Paulo, praça de referência para o restante do país, o preço recuou 6,9% em setembro, chegando a R$ 291,60. Na primeira semana de outubro, o indicador caiu mais 1,95%. Ontem, indicador estava a R$ 283 por arroba. Na média, o gado representa 80% dos custos de produção dos frigoríficos.
Confinamentos vazios
Entre pecuaristas, a ausência da China também incomoda. Nos confinamentos, poucos se atrevem a enviar mais animais sem a garantia de que haverá um mercado para escoar. Uma preocupação desses produtores é que os confinamentos fiquem cada vez mais vazios, reduzindo a oferta futura de gado e provocando uma nova disparada dos preços daqui a alguns meses.
No mercado, é consenso que a China, normalmente uma negociadora habilidosa, está bastante confortável para ficar mais um tempo sem liberar a carne brasileira. O país lida com um estoque elevado de carne suína e ainda cargas de carne que foram produziras antes da suspensão da exportações brasileiras a caminho dos portos do país asiático.
Na visão do consultor César de Castro, do Itaú BBA, a menos que Pequim esteja disposta a reduzir seus estoques de carnes a ponto de prejudicar elos mais fracos da cadeia (restaurantes e consumidores), é provável que o embargo à carne bovina brasileira não dure muito mais.
Em setembro, com as cargas que já estavam prontas para embarque antes da suspensão – boa parte sofrendo com atrasos logísticos, entre os quais a falta de contêineres -, a China ainda foi o destino de 65% das exportações brasileiras. Contando as vendas via Hong Kong, mais de 123 mil das 187 mil toneladas de carne bovina embarcadas pelo Brasil foram para o gigante asiático, de acordo com dados da Secex.
O volume exportado, que representou um novo recorde mensal, chama atenção. Para Castro, a hipótese mais provável é que a indústria brasileira tivesse um estoque já certificado para cerca de um mês. Porém, ele acredita que as exportações do Brasil tendem a despencar neste mês de outubro.