A volta da China às compras rendeu ao Brasil exportações recordes de carne bovina no primeiro trimestre deste ano, com embarques totais de 545,7 mil toneladas, ou quase US$ 3 bilhões. Mas o fim do embargo de três meses imposto por Pequim (de setembro a dezembro de 2021) devido à identificação de dois casos atípicos do mal da vaca louca em Minas Gerais e Mato Grosso não devolveu tranquilidade à cadeia produtiva.
A política de “covid zero” na China deflagrou uma onda de suspensões temporárias às exportações de frigoríficos brasileiros. Ao menos seis plantas já foram bloqueadas desde março. Algumas delas estratégicas, como a unidade da JBS em Mozarlândia (GO), no Vale do Araguaia, uma das principais do país.
O movimento deve ter pouco impacto sobre o volume a ser exportado pelo Brasil, mas afetou o preço da arroba do boi gordo nas regiões das unidades suspensas e atrapalhou os planos de pecuaristas. Na região de Mozarlândia, a arroba do boi caiu cerca de R$ 40 em pouco mais de um mês, de R$ 320 para perto de R$ 280. A planta local da JBS é uma das maiores da América Latina, com capacidade de abate de até 80 animais por hora. A empresa não comentou os motivos da decisão chinesa.
Em Mozarlândia, produtores e intermediários especulam a possibilidade de uma “paralisação programada” para a troca de máquinas e adaptação do frigorífico para abate de até 2,2 mil animais por dia. Em Brasília, uma fonte assegurou que o bloqueio, que inicialmente era de uma semana e passou a não ter prazo determinado, foi imposto devido à detecção de ácido nucleico do novo coronavírus em embalagens de carne congelada exportada.
“Boi-China”
Os pecuaristas perderam dinheiro. O “boi-China”, animal com menos de 30 meses de idade para atender às exigências dos asiáticos, precisou ser negociado ou solto no pasto. “Alguns venderam o suficiente para cumprir a folha de pagamento e honrar despesas, e outros tentam negociar fora. A saída do pecuarista, principalmente do invernista, é pouca”, disse o presidente do Sindicato Rural de Mozarlândia, Belchior Machado. “Se está com animal pronto, normalmente perde”, afirmou.
A expectativa é que o retorno dos abates e das vendas à China derrube ainda mais o preço pago pelo boi gordo, pelo aumento da oferta na região de confluência entre Goiás, Mato Grosso e Tocantins. “O frigorífico é dominador do preço. Ainda vai chegar a situação mais crítica, vai forçar mais baixa”, disse Machado.
Em São Miguel do Araguaia (PA), o Masterboi foi surpreendido com a suspensão das vendas para a China por razões “totalmente desconhecidas”. Sem notificação oficial dos chineses ou de Brasília, a empresa informou que “segue um rigoroso protocolo sanitário contra covid-19 e já concluiu todo ciclo vacinal em suas unidades no Brasil”. Na unidade suspensa pelos chineses, o último caso de covid19 foi em janeiro.
“Baque tremendo”
A surpresa desagradável pode pesar sobre as contas dos frigoríficos de menor porte, já que a habilitação para a China é um diferencial das plantas, ainda mais em épocas de consumo doméstico enfraquecido. “Isso é um baque tremendo, já que existe uma diferença abissal entre quem tem China e quem não tem. É quase uma situação de vida ou morte”, afirmou uma fonte do setor.
Sem a habilitação, as contas entram no vermelho e o planejamento é afetado. “Os contratos para China são de volumes significativos, cotados em dólar, e acabam puxando o preço do boi. Com a suspensão, os animais vão ter que ser redirecionados. Como podem ter custo maior, a rentabilidade não é a mesma”.
Além dessas plantas, a Administração-Geral das Alfândegas da China (GACC) também interrompeu por uma semana, a princípio, outra da JBS em Barra do Garças (MT), os frigoríficos da Marfrig em Várzea Grande (MT) e Promissão (SP) e o abatedouro da Naturafrig em Pirapozinho (SP). Os chineses pediram à diplomacia brasileira informações e para que as empresas investiguem a causa do problema e o corrijam.
Outras três plantas de abate de aves foram impedidas de exportar para a China este ano, duas em janeiro e uma em março: a da São Salvador em Itaberaí (GO), a da Bello Alimentos em Itaquiraí (MS) e a da BRF em Lucas do Rio Verde (MT). A planta da BRF de Marau (RS) também foi suspensa, em dezembro de 2021.
Promessa não cumprida
O Ministério da Agricultura tem recebido os comunicados sobre a suspensão dos frigoríficos por detecção de vestígios do coronavírus e precisa enviar relatórios aos chineses para informar quais ações as empresas têm adotado para evitar novas contaminações. Com isso, a retomada automática das atividades, prevista para ocorrer em sete dias, nem sempre acontece.
A avaliação em Brasília é de que o avanço da covid-19 na China elevou a pressão sobre as autoridades do país. O bloqueio aos frigoríficos funcionaria, assim, como uma resposta à população pelo aumento de casos. “Não tem nenhuma razão técnico-científica para a China continuar com as suspensões”, diz um especialista.
Os bloqueios não são apenas a frigoríficos do Brasil; outros países também têm sido afetados. No entanto, a realidade é diferente para os Estados Unidos, que conseguiram recentemente centenas de habilitações no sistema de “pre-listing”, que tem exigências sanitárias menos restritivas e prevê até permissão para abate de bovinos com mais de 30 meses de idade.
Alguns técnicos e representantes da indústria acreditam que um “acordo político de alto nível” com o governo chinês melhoraria a situação para o Brasil. Mas, com as restrições impostas pela pandemia, como a necessidade de quarentena para visitar a China, uma reunião olho no olho entre o ministro da Agricultura, Marcos Montes, e as autoridades chinesas está longe de acontecer.
Larissa Wachholz, sócia da Vallya Participações e diretora executiva da Flora Capital, lembra ainda que há mudanças políticas que podem ter influência sobre novos bloqueios. Ni Yuefeng, ex-chefe da Administração-Geral das Alfândegas da China (GACC, na sigla em inglês), foi nomeado secretário do Comitê Provincial de Hebei — província onde fica Pequim — do Partido Comunista do país, um cargo superior ao de governador. Ela não acredita que as suspensões sejam parte de uma estratégia chinesa para diminuir os preços da carne.
“É muito pouco provável que se consiga reduzir preços com liberações ou bloqueios a plantas. O setor é pulverizado. Muitas empresas privadas tomam a decisão de compra e venda”, afirmou ao Valor. “É o tema sanitário que está no cerne das suspensões”. Comentários