Diferença de preços entre o leite no Brasil, Argentina e Uruguai está estimulando importações por parte da indústria Freepik
Uma nova crise está batendo à porta do produtor brasileiro de leite, na avaliação da gigante francesa Lactalis, líder do mercado nacional de lácteos. As importações de produtos do segmento estão crescendo devido à diferença de preços entre a matéria-prima local e a fornecida por Argentina e Uruguai, um movimento que deve pressionar as margens do setor a partir do mês que vem.
O Brasil importou quase 70 mil toneladas de leite, creme de leite e laticínios (exceto manteiga ou queijo) no primeiro quadrimestre deste ano, de acordo com informações da plataforma ComexStat, do governo federal. O volume é mais que o triplo das importações do intervalo entre janeiro e abril do ano passado, que somaram 21 mil toneladas.
Também cresceram as importações de manteigas e outras gorduras derivadas do leite, de 1,04 mil para 1,55 mil tonelada, e de queijo e coalhada, de 7,5 mil para 12,4 mil toneladas.
“Se o consumo não começar a aumentar na mesma proporção, vai sobrar leite no mercado”, disse o CEO da Lactalis para a América Latina, Patrick Sauvageot. “O problema é que os consumidores não estão conseguindo pagar pelo produto acabado nos valores atuais”.
Segundo o executivo, o leite que o Brasil importa de seus vizinhos sul-americanos é, tradicionalmente, 15% mais barato que o nacional, mas a escalada dos valores no Brasil fez a diferença percentual dobrar este ano. Dados do Observatório da Cadeia Láctea Argentina (Ocla) mostram que, enquanto o produto brasileiro foi vendido por cerca de 55 centavos de dólar em março, os da Argentina e Uruguai tiveram médias de 41 e 42 centavos de dólar, respectivamente.
Neste ano, a Argentina exportou 34,6 mil toneladas de leite, creme de leite e laticínios ao Brasil, mais que as 12,6 mil toneladas no mesmo quadrimestre de 2022. Já o Uruguai aumentou os envios de 5,8 mil para 28,7 mil toneladas entre janeiro e abril.
Roberto Jank Jr, que é vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), afirma que as importações mensais não chegavam aos níveis deste ano desde 2016. “O Uruguai nunca mandou tanto leite para cá como nos últimos dois meses”, diz.
As importações de lácteos vêm aumentando progressivamente desde 2015, observa Natália Grigol, analista do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP. Em 2023, esse avanço está sendo mais significativo devido à redução da oferta interna de leite nos dois últimos anos, causada pela estiagem no Brasil e pela forte alta global das cotações dos grãos.
“Isso mudou a estrutura do setor, que não parece ter assimilado muito bem ainda. A indústria está enfrentando uma competição acirrada por fornecedores”, afirma Natália Grigol. Segundo a Abraleite, há cerca de 600 mil produtores profissionais – o que exclui quem produz para subsistência – e 80 mil produzem 50% do volume total.
De acordo com a analista, o quadro atípico deste ano tem reflexos sobre o movimento dos preços: as cotações subiram em janeiro, período em que normalmente deveriam estar mais baixas, e há risco de os valores caírem nos próximos meses, quando geralmente subiriam, devido às importações. “Observamos uma reversão da tendência”, diz.
Patrick Sauvageot, da Lactalis, afirma que aumentar a produtividade do rebanho e a qualidade do leite no Brasil, especialmente se comparado a outros grandes produtores globais, ainda é um desafio estrutural a ser vencido. Porém, é preciso dar condições para que o setor consiga chegar lá.
O executivo defende que o governo interceda para impedir uma nova quebradeira do setor causada por recuos bruscos nos preços. “Seria importante colocar um limite nas importações”, diz. Ele avalia que o risco de um desequilíbrio com a intervenção estatal seria menor do que o de deixar o mercado como está.
Mas Jank, que é um dos maiores produtores de leite do país, e Natália Grigol não acreditam que o governo vá conseguir restringir as importações. “Essa medida implica muitas coisas, porque o Brasil também exporta produtos para a Argentina e Uruguai”, lembra o vice-presidente da Abraleite.