Cresci ouvindo meu pai contando a fábula da cigarra e da formiga. Nela, a formiga armazenava comida para lidar com o rigoroso inverno que se aproximava, enquanto sua amiga cigarra passava os dias cantando, sem se preocupar com o futuro. Na versão da história que ele contava, a formiga atravessou a estação confortavelmente graças ao estoque de comida suficiente, e a cigarra, que não havia se preparado, morreu de frio.
Meu pai, economista que é, sabia bem a importância de gerenciar os recursos ao longo do tempo, pois são escassos, e nos passou isso, pois sempre disse que não gostaria de ver seus filhos sofrendo privações em momentos difíceis. Assim, antes de aprender meu sobrenome, aprendi que tinha que pensar no futuro. Essa fábula infantil, anos depois, me ajudou a compreender o problema da mudança do clima, já que, acima de tudo, é uma questão sobre o planeta que queremos ver nos anos vindouros.
Realizar uma ação que se concretizará apenas no futuro é algo do qual o cérebro humano simplesmente não está habituado. Ao enfrentar os diversos problemas do dia a dia, nossa visão de curto prazo ocupa praticamente todo nosso pensamento e ações, deixando o futuro sempre para amanhã. Ninguém acorda disposto a combater os efeitos das mudanças climáticas, que trarão consequências mais drásticas nas próximas décadas. É construção.
Assim como na fábula, a falta de visão de longo prazo de governos e empresas em repensarem a forma como vivemos, produzimos e consumimos hoje também vai cobrar seu preço. E os efeitos tendem a ser exponenciais, como um efeito dominó: quanto mais insistirmos em continuar emitindo gases de efeito estufa na atmosfera, mais calor retido no planeta e maior o aquecimento dos oceanos e o derretimento das calotas polares. O derretimento do chamado pergelissolo (solo permanentemente congelado e situado em áreas circumpolares que armazenaram grandes quantidades de carbono ao longo de milhões de anos), por sua vez, acarretaria a liberação de grandes quantidades de metano na atmosfera, um dos piores gases contribuintes para o aquecimento terrestre. O mesmo acontece com as florestas tropicais: quanto mais são devastadas, mais difícil é sua recuperação, o que poderia levá-las a um processo de savanização (transformação de floresta tropical em savana, que absorvem muito menos CO2), aumentando ainda mais o problema do aquecimento global.
De acordo com os debates que aconteceram na COP27, o assunto é tão sério que se não atuarmos agora para frear o aquecimento global, podemos atingir um cenário em que não seja mais possível reverter catástrofes ambientais (dilúvios, tornados, secas extremas etc.) que já começam a aparecer no mundo todo. Só nesse ano de 2022 a Europa registrou a pior seca em mais de 500 anos, Estados Unidos e China também tiveram secas severas. Enquanto isso, mais de sete milhões de pessoas foram impactadas por enchentes em Bangladesh. No Brasil, seguimos com chuvas torrenciais em todas as regiões, seguidas por deslizamentos de terra em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e mais recentemente, Paraná.
É preciso que lideranças, tanto empresariais como governamentais, entendam que enfrentar questões de médio e longo prazos é também combater questões de curto prazo. Os problemas mais graves que enfrentamos atualmente como crise energética, aumento da fome e pobreza e índices de inflação acima da média são todos, em parte, causados pela dependência quase completa dos combustíveis fósseis nos processos produtivos.
O setor empresarial, embora tenha estabelecido metas bastante audaciosas para uma economia de baixo carbono até 2030, 2040 e 2050, ainda não conseguiu executar seus planos de forma consistente, principalmente no que se refere à redução de emissões dentro dos seus próprios processos produtivos e de suas cadeias de valor – ações chave para que as empresas cumpram com suas metas.
O modelo linear de produção, onde em uma ponta estamos consumindo muito mais recursos que o planeta pode repor, e na outra, gerando montanhas de lixo é um contrassenso e precisa urgentemente ser revisto. Para dar um exemplo, a consultoria de pesquisa McKinsey realizou um estudo publicado em novembro desse ano em que mostra que, enquanto uma em cada nove pessoas no planeta não consegue comer o suficiente todos os dias, cerca de 30 a 40% dos alimentos produzidos são desperdiçados anualmente.
Por meio da transição para uma economia de baixo carbono, produção mais eficiente, redução dos desperdícios, focado em atender as necessidades vitais das atuais 8 bilhões de pessoas no planeta, empresas e governos precisam entender com urgência que, entre o hoje e o amanhã, é necessário — e possível — escolher os dois.
Amanda Baldochi é Bióloga, mestre em Ecologia e
Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos e atua
como Consultora de Novos Negócios na Fundação Espaço ECO®*