O conflito no Leste Europeu, entre Rússia e Ucrânia, pode desencadear uma crise global de oferta de grãos e, no Brasil, por tabela, elevar ainda mais os custos de produção de carne suína e de frango, atividade que utiliza sobretudo milho e farelo de soja na alimentação animal. A avaliação é do coordenador do Insper Agro Global, Marcos Jank, em entrevista ao Broadcast Agro. “Esse é o impacto mais forte (no setor de carnes do País). Se o conflito durar no Leste Europeu, e afetar a produção e a exportação (de grãos) da Ucrânia, isso pode, como reflexo, dar uma mexida nos custos de produção do Brasil”, comenta.
A Ucrânia está entre os quatro principais produtores e exportadores de milho no mundo. Uma possível interrupção em sua produção poderia desabastecer o mercado global de grãos e encarecer ainda mais o preço do cereal na Bolsa de Chicago (CBOT), que tem se mostrado volátil por causa da crise entre os países, pontua a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Segundo a entidade, o plantio do cereal de primavera na Ucrânia tem início em abril, mas, até lá, será preciso avaliar se o país terá possibilidade de começar os trabalhos de campo, caso o conflito se estenda.
A Ucrânia exporta 16% do milho que produz. “Temos que observar se realmente vai ter algum tipo de quebra na produção. Caso aconteça, o preço do produto pode ter um aumento significativo no mercado internacional e isso deve afetar não apenas o Brasil, mas o mundo inteiro”, disse o diretor técnico da CNA, Bruno Lucchi, em vídeo encaminhado ao Broadcast Agro. Para Lucchi, isso afetaria não só a alimentação humana, mas principalmente a alimentação animal, cujo principal ingrediente na dieta é o milho. “O que pode encarecer, de certa forma, as proteínas, como carne, leite e ovos”, acrescenta.
É bom lembrar que a Ucrânia fornece milho sobretudo para a China. Se houver problemas de safra menor, como apontou Lucchi, ou logísticos de embarques do grão ao gigante asiático por causa do conflito no Leste Europeu, há possibilidade de os chineses voltarem sua atenção para outros fornecedores, como os Estados Unidos, que já vende milho para lá. Uma eventual maior demanda pelo grão norte-americano poderá impulsionar os preços em Chicago, respeitando-se a lei da oferta e procura. Já no caso do Brasil, embora o País também seja exportador de milho, a China não adquire o grão daqui – no entanto, os dois países estão negociando revisão no protocolo de exportação do cereal. Uma eventual maior necessidade chinesa do grão pode, porém, acelerar a conclusão deste protocolo.
Já do lado das exportações brasileiras de carnes bovina, suína e de frango, caso haja algum tipo de sanção econômica para a Rússia, o setor de proteína animal do Brasil, que é um dos maiores fornecedores globais de proteína animal, não deve ser afetado diretamente, avalia Marcos Jank, do Insper. “A Rússia importa cada vez menos (carne do Brasil), então ela já não é tão relevante quanto era no passado. Ela (Rússia) está se tornando autossuficiente em proteína animal”, avalia. O coordenador do Insper acrescenta que não vê um impacto semelhante ao que será observado no setor de cereais, como trigo, milho e óleos vegetais, que tende a ter um efeito maior, em termos de alta de preços, do que o mercado de carnes.
A Rússia se tornou o 14º destino dos embarques de carne suína brasileira no ano passado, sendo responsável pela aquisição de mais de 9 mil toneladas da proteína, com receita de US$ 296 milhões, conforme dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). O país também adquiriu mais de 105,9 mil toneladas de carne de frango em 2021, alta de 26,2% ante 2020, sendo o 10º principal destino das exportações, com receita de mais de US$ 167 milhões.
Já em relação à carne bovina do Brasil, os russos adquiriram 35.329 toneladas da proteína em 2021, com receita de US$ 137,5 milhões. O volume representou 1,5% de tudo o que o Brasil exportou no período de carne bovina. Os embarques de carne bovina para a Rússia, porém, estão crescendo este ano, segundo a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo). Até fevereiro, foram 5.050 toneladas exportadas para a Rússia, o que elevou a participação deles nas exportações totais do País para 3,2%.
O que pode provocar algum tipo de dano para os frigoríficos exportadores é a exclusão da Rússia da Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (Swift, na sigla em inglês), que pode impossibilitar o comércio internacional, diz o analista da Mirae Asset, Pedro Galdi. “O sistema financeiro da Rússia está congelado, então não tem como pagar e ninguém vai mandar produtos para lá”, diz.
No Paraguai, os frigoríficos entraram em acordo com importadores e suspenderam as exportações de carne bovina para a Rússia, de acordo com informações da imprensa local. A decisão foi tomada na terça-feira (1º). Por meio da sua controlada no País, a Athena Foods, a brasileira Minerva lidera os embarques paraguaios da proteína. Procurada, a companhia informou que não comentaria a situação. Mas, de todo modo, a estratégia de internacionalização dos frigoríficos brasileiros, com unidades produtoras em vários países, pode amenizar a redução dos embarques da Minerva no Paraguai. A Rússia adquire 20% de toda a carne bovina que o Paraguai exporta.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que reúne as indústrias produtoras e processadoras de carnes de suínos e aves, informou, em nota, que acompanha com atenção a situação no Leste Europeu e o conflito Ucrânia/Rússia. “A Rússia, historicamente foi um dos principais destinos da carne suína brasileira”, comenta a entidade. O país euroasiático havia retornado às compras da proteína do Brasil no último trimestre do ano passado e com boas expectativas de compras para este ano. A perspectiva é positiva especialmente pela cota de 100 mil toneladas que o país abriu para compra da proteína até junho deste ano, conforme a ABPA.