O que há dez anos parecia ser exclusividade das produções de ficção científica, hoje é uma indústria que recebe cada vez mais investimentos. A carne cultivada em laboratório — que não é vegana, nem vegetariana, mas também não envolve abates — gera curiosidade dos consumidores e ganha espaço no mercado, inclusive entre os brasileiros.
Veja como é produzida
Na prática, produzir carne em laboratório envolve colher e cultivar células de animais produtores de proteína, para obter um produto com as mesmas características físicas, nutricionais e palatáveis. O benefício, para os laboratórios, é evitar o abate e o sofrimento dos animais.
O primeiro passo para criar carne cultivada é obter células de animais por meio de biópsias ou as extraindo de um ovo fertilizado Essas células são colocadas em meios de cultura para estimular sua multiplicação em grande escala. O resultado, então, é um produto com aparência, cheiro, sabor e textura da carne, idêntica ao que consumimos diariamente.
Quando chega ao Brasil?
A carne cultivada em laboratório vem sendo estudada e produzida por pelo menos 156 empresas ao redor do mundo. Segundo um relatório da ONG The Good Food Institute, no ano passado, as pesquisas custaram US$ 896 milhões, R$ 4,4 bilhões, em cotação atual.
A Embrapa Suínos e Aves, sediada em Santa Catarina, divulgou em janeiro que está à frente de um estudo para desenvolver carne de frango cultivada em laboratório. A escolha se deu por ser uma proteína versátil, consumida em todo o país, e por haver um banco genético acessível.
A técnica específica envolve o uso de estruturas tridimensionais de nanocelulose bacteriana que apresentam características semelhantes aos cortes descelularizados de peito de frango. Ou seja, possuem o mesmo tamanho e aparência, e por isso serão usadas como suporte ao cultivo das células.
As células então são colocadas na celulose através da técnica de perfusão, semelhantemente ao utilizado para recelularização de órgãos. A instituição afirmou que os primeiros protótipos para análises sensoriais e nutricionais deve ficar pronto ainda em 2023.
“É um assunto discutido há algum tempo. Mas o ganho de escala está se dando agora porque a tecnologia está ficando mais viável, e, por isso, os investimentos no desenvolvimento dessas proteínas alternativas começam a acompanhar esse momento e estão cada vez maiores”, explicou, na ocasião, a pesquisadora líder do projeto, Vivian Feddern.
O setor privado também entra na disputa. A brasileira JBS, considerada a maior empresa de alimentos do mundo, prevê um investimento de US$ 100 milhões, R$ 495 milhões, até 2025 para se tornar uma das maiores fabricantes de carne de laboratório no mundo.
Parte deste investimento foi utilizado em 2022 na aquisição de 51% da empresa espanhola BioTech Foods, especializada no produto, e na construção da primeira fábrica em escala comercial.
A projeção da JBS é produzir mais de 1 mil toneladas de carne cultivada ainda em 2024. E a companhia considera o Brasil um dos mercados-chave para o novo produto.
Regulação traz polêmicas
Se por um lado o Brasil desponta na vanguarda das pesquisas, continua atrás em termos de regulação do setor — assim como a maioria dos outros países.
Somente duas nações no mundo já aprovaram a comercialização de carnes cultivadas em laboratório: Singapura, pioneiros, e os Estados Unidos, os mais recentes. Em junho deste ano, o Departamento Americano de Agricultura aprovou que duas empresas — a Upside Foods e a Good Meat — produzam e vendam proteína de frango artificial.
Outros países estão na vanguarda da proibição, como Itália e Uruguai. Na nação europeia, está em tramitação um projeto de Lei proposto pelo Executivo em março de 2023 visando proibir a comercialização de “alimentos artificiais”.
O texto foi aprovado em julho pelo Senado e aguarda votação na Câmara dos Deputados. A iniciativa faz parte de uma “declaração de guerra” da primeira-ministra Giorgia Meloni contra os alimentos sintéticos, que segundo ela seriam uma “ameaça à tradição agrícola italiana”.
No Uruguai, país conhecido por sua potente pecuária, projeto de lei semelhante partiu do senador Sebastián da Silva, que é produtor rural e inimigo autodeclarado da carne cultivada em laboratório.
Em seu projeto, apresentado em junho de 2023, ele propõe a mudança de uma lei já existente que restringe a rotulagem desse tipo de alimento, proibindo o uso do termo “carne” ou qualquer representação que sugira se tratar de um produto de origem animal.
O novo texto, ainda sem data para votação, propõe a proibição da importação, fabricação e venda de produtos alimentícios que contenham células de cultivo animal produzidas em laboratório.