O ano de 2024 promete oferta de carne bovina ainda elevada, ao menos durante o primeiro semestre, com a continuidade do descarte de vacas. Como consequência, o preço da arroba do boi gordo também terá um espaço limitado para se recuperar, o que sinaliza preços mais comportados ao consumidor.
A explicação para esse cenário está no início do ciclo produtivo, a cria. Na pecuária, o preço do bezerro influencia diretamente a decisão do produtor de reter ou não as matrizes. A recente reação na arroba bovina impulsionou as cotações do bezerro, mas não o suficiente para estimular o pecuarista a investir mais em reprodução.
“No campo, tem muita gente desestimulada ainda para investir em reprodução. Talvez com a melhora da arroba possa vir algum estímulo para correr com a estação de monta, mas não na intensidade que deveria”, disse Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador da área de pecuária do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP.
A estação de monta nada mais é do que o período de reprodução do ciclo pecuário, que acontece entre meados dos meses de outubro e fevereiro, quando as chuvas costumam deixar a qualidade do capim favorável para alimentação das fêmeas.
Na avaliação de Carvalho, porém, a forte queda nos preços do boi gordo ocorrida ao longo de 2023 está se refletindo em menos investimentos para a criação de bezerros, cujas cotações também foram pressionadas.
Na última sexta-feira, o indicador do bezerro do Cepea com base em Mato Grosso do Sul, praça de referência na produção, terminou em R$ 2.116,17 por unidade, acima do patamar de
R$ 1.924 visto no fim de agosto, mas abaixo dos R$ 2.328,93 de um ano antes. Em 2021, por exemplo, o índice chegou a ultrapassar os R$ 3 mil por bezerro.
“Neste cenário, houve redução no mercado de sêmens de corte, o que indica que a inseminação está diminuindo. A segunda possibilidade para a reprodução é colocar no pasto um touro preparado para fazer a reprodução. A terceira, e mais provável alternativa, é colocar um touro de boiada que pode fazer a monta ou não”, afirmou o pesquisador.
Segundo ele, as chances de prenhez vão diminuindo ao longo das técnicas utilizadas. “Quando se identifica que a vaca ficou vazia, o produtor pode ficar motivado a descartar essa matriz no fim do primeiro trimestre de 2024”, acrescentou.
Outro fator que pode influenciar nesse período reprodutivo é a condição climática. Se o clima for muito seco, por exemplo, com temperaturas que não favoreçam as pastagens de maneira adequada para a alimentação das vacas prenhas, o desenvolvimento do bezerro também pode ficar comprometido.
Atualmente, o país encontra-se sob o fenômeno climático El Niño, que deve se manter ativo até abril do ano que vem. “No Norte, já tem um problema sério com alimento para os bovinos, por exemplo”, comentou Thiago Bernardino de Carvalho.
O resultado desse cenário é o aumento da oferta de carne bovina no mercado no início de 2024, mas escassez para 2025, visto que estarão nascendo poucos bezerros no ano que vem.
“Se não houver o estímulo adequado agora [para a cria], em 2025 já podemos vislumbrar um cenário em que vamos ver baixa oferta”, acrescentou o pesquisador.
Ricardo Buonarott Ferreira, diretor de Produção da Associação Sul-Mato-Grossense de Produtores de Novilho Precoce (ASPNP) disse ao Valor que o bezerro precisaria estar em um patamar de preço em torno de R$ 2.800 para que a produção voltasse a ser vantajosa no Estado. Ele acredita que os valores do animal devem melhorar de maneira mais significativa a partir do ano que vem.
“A inseminação artificial está até em alta, mas para o pessoal que já trabalha com cria ou com ciclo completo. O pessoal mais flexível ainda não está tendo essa visão”, afirmou sobre as apostas na reprodução.
O aumento no abate de fêmeas e também uma redução de áreas de pecuária em Mato Grosso do Sul, que estão cedendo espaço para a agricultura ou produção florestal, devem contribuir para que os preços do bezerro comecem a subir mais em 2024, estimou o diretor.
Para Ferreira, os pecuaristas que vão seguir na cria no Estado serão os mais tecnificados, com alta produtividade, mas que são a minoria. A maior parte, segundo ele, é da pecuária tradicional.
Aedson Pereira, analista sênior da S&P Global, ressaltou que os compradores de bezerro sabem que haverá uma reversão de ciclo principalmente em 2025 e, portanto, estão aproveitando para fazer suas aquisições enquanto o custo está mais baixo. Essa demanda adicional é um dos fatores que podem ajudar a impulsionar as cotações em 2024.
“O preço do bezerro já reagiu, mesmo que pouco. Então o mercado está entrando em um momento de precificação melhor, muito em função do atual patamar, que é bem menor do que anos atrás”, ressaltou. “Como vivemos um momento elevadíssimo de abate de fêmeas, para 2024 e 2025 mais precisamente, a gente pode entrar em uma reversão do ciclo pecuário”.