Abraçar a agenda agroambiental, com base na ciência e no uso de modernas tecnologias, possibilita ao Brasil ter um panorama de futuro para a construção de um caminho sustentável em termos sociais, ambientais e econômicos. “Essa visão nos dá o direito de ir muito além do próximo ano (eleitoral). Podemos percorrer o rumo que queremos para o nosso país até 2040 ou 2050”, disse o presidente do Conselho Diretor da ABAG – Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), Marcello Brito, no programa Roda Viva, da TV Cultura, nessa segunda-feira, 30 de agosto.
O potencial agroambiental, segundo Brito, está ligado diretamente à conservação dos biomas brasileiros, especialmente no combate ao desmatamento ilegal, às queimadas e à ocupação criminosa que acontecem na Amazônia. “Desde 2012, vemos um crescimento no platô dessas ações ilícitas que ocorrem nesse importante bioma. Isso mostra que não estamos dando à devida atenção e fazendo a coisa certa com a Amazônia. É preciso cumprir a lei e oferecer o tratamento digno a ela”.
Ele ressaltou ainda que essas atividades ilegais prejudicam o país sobremaneira. “A pergunta essencial é quem está ganhando com esse processo atual? A resposta é ninguém”, destacou. Em sua avaliação, o Brasil tem expertise para reverter essa situação. Mas, é importante compreender, aceitar e analisar os riscos climáticos e, portanto, seguir o que a ciência está dizendo. “O relatório do IPCC comprovou as previsões feitas há 10 e 15 anos. Por isso, a ciência é fundamental ao trazer os deveres em relação ao meio ambiente. E, hoje, quem ouve suas diretrizes está se dando muito bem”.
Brito comentou sobre o potencial da Amazônia e de outros biomas também para oferecer um desenvolvimento social e econômico para a sociedade local e para o país. “O Brasil tem algo especial, sua sociodiversidade, que permite fazer mais do que a bioeconomia tradicional, que é aplicada em setores consolidados, como o papel e celulose. Nossa nação pode adicionar a palavra circular à bioeconomia”, disse. Para exemplificar, ele trouxe o caso do açaí, cujo caroço pode causar danos ambientais. Mas, há estudos que mostram que parte dele pode ser transformado em resina para substituir uma série de produtos, inclusive o plástico. “É uma grande oportunidade de implantar e trabalhar novos modelos bioeconômicos”, acrescentou.
De acordo com o presidente do Conselho Diretor da ABAG, por enquanto, o Brasil vem perdendo oportunidades, uma vez que o país representa apenas 0,2% do mercado de produtos advindos de florestas tropicais, cujo montante está estimado em US$ 280 bilhões. “Países como a Bolívia, Vietnã e Indonésia, por exemplo, estão na nossa frente”, pontuou. A seu ver, essa constatação mostra que as políticas públicas de desenvolvimento não contemplaram a Amazônia. “Precisamos mudar urgentemente essa situação. Há investimentos para esse tipo de trabalho, mas a questão da insegurança jurídica decorrente da falta de governança pública é um entrave”, asseverou.
O mercado de carbono foi outro ponto tratado, uma vez que o país tem também potencial de se destacar nesse setor. Um exemplo é o programa Renovabio, que é o maior mercado de carbono relativo a combustível no mundo. Para Brito, é preciso ter um mercado regulado, mas existe uma parte do governo que enxerga a possibilidade de se ter um mercado voluntário, o que não seria o ideal para o país.
Nesse sentido, a Cúpula do Clima, a ser realizado em novembro, será fundamental e o Brasil precisa participar da mesa de discussões. Porém, Brito analisou que o mercado ainda não sabe as propostas que serão apresentadas pelo governo nacional. “Precisamos de um projeto sólido, com começo, meio e fim, que restabeleçam a confiança do mundo no país”.
Mercado do agro, posicionamento e reformas
Durante sua participação no Roda Viva, o presidente do Conselho Diretor da ABAG trouxe também suas análises sobre pontos polêmicos no legislativo e judiciário e mostrou que o agronegócio é formado por situações distintas.
“Temos centenas de face no agronegócio. De um lado estão os produtos que estão no topo da cadeia e de outro, vemos mais de 4 milhões de produtores, que possuem entre 1 a 50 hectares de terra. São composições bem distintas. Desse modo, o governo precisa ajudar esse lado, que não possui acesso à tecnologia ou à financiamento privado, a fim de dar desenvolvimento a eles e não aumentar o fosso da disparidade social”, explicou Brito.
Brito afirmou ainda que a participação das mulheres no setor tem trazido muitas contribuições relevantes e que elas estão transformando muitas empresas. Sobre a divergência de opiniões no setor, ele comentou que de seis milhões de propriedades rurais brasileiras, apenas 1% tem atuado de forma contrária à preservação ambiental do agro, sendo responsável pela maior parte do desmatamento que ocorre. Ou seja, 99% estão de acordo com a lei. Questionado sobre onde está a maioria, ele respondeu que a cada dia surge uma voz nova, pois nem todos sobem ou descem do barco ao mesmo tempo.
Para combater à criminalidade do agro, ele ressaltou a importância da implantação total do Código Florestal, o que significa acelerar a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). “Em três anos, podemos ter boa parte do CAR validado no Brasil, segundo os esforços que têm sido feitos pelo Ministério da Agricultura para dar mais agilidade ao processo. O caminho está correto, mas infelizmente a velocidade ainda não está como esperávamos”. Para ele, o Código Florestal permite dar um salto e eliminar o desmatamento ilegal, uma vez que a lei significa transparência, objetividade, garantia de segurança ambiental, social e espacial.
Nesse sentido, a ABAG e mais seis entidades (Abiove, Abisolo, Abrapalma, CropLife, Ibá e Sindiveg) divulgaram um manifesto na segunda-feira, dia 30, centrado no crescimento e no desenvolvimento do país, mas sobretudo na paz. “Sempre optamos pelo diálogo e pela conversa. E as manifestações devem ser feitas de forma pacífica e democrática”, afirmou Brito.
Sobre questões polêmicas no judiciário e no legislativo, Brito avaliou a importância do processo de regularização fundiária para trazer justiça e inserção social, combater à criminalidade e promover crescimento econômico. Além disso, ele disse que o resultado do julgamento do Marco Temporal no Supremo vai provocar “justiçados” e “injustiçados”. “É um processo muito difícil por colocar coisas diferentes no mesmo julgamento, como comunidades indígenas que viraram praticamente uma cidade e outras que estão sendo invadidas por criminosos. E as populações indígenas são muito importantes pelo que eles são e pelo que eles representam”. Por fim, ele afirmou que a rejeição ao Marco Temporal não trará impacto negativo algum para o agronegócio.
Marcelo Brito