Pecuaristas, indústria, líderes do setor gastronômico e acadêmicos se reuniram nesta sexta-feira, 9 de agosto, para debater a cadeia da carne e os mitos a serem derrubados com relação a esta proteína animal e o relacionamento com o consumidor. O 3º Fórum da Cadeia Produtiva da Carne Bovina, organizado pelo Instituto Desenvolve Pecuária, contou com palestras sobre saúde, mercado e produção animal. O encontro foi realizado no auditório da Faculdade de Agronomia da Ufrgs, em Porto Alegre (RS), e encerrou com um debate entre associados para traçar planos futuros para o instituto.
Na abertura do Fórum, o diretor do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva da Carne (NESPro/UFRGS), Júlio Barcellos, destacou a importância do debate estar na casa em que trabalha em defesa da ciência e do conhecimento e valorizou o fato de o fórum discutir e compartilhar conhecimento sob diversos ângulos. O diretor do Instituto Desenvolve Pecuária, João Ghaspar, referiu que a ideia básica do Fórum da Carne é convidar a todos a refletirem sobre a necessidade de comunicar melhor a difusão da carne gaúcha. Ele foi homenageado com uma placa pelo reconhecimento ao trabalho junto ao Instituto. O presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado do Rio Grande do Sul, Sicadergs, Ladislau Böes, usou a analogia de que sempre o vizinho acha que o do outro é melhor para falar que cada negócio tem suas vantagens e suas dificuldades. “Precisamos ter uma visão mais altruísta de tudo que temos visto, como visão de mercado, derramamento de carne de outros estados, enchentes, mas se ficarmos pisoteando as dificuldades, não iremos encontrar as soluções”, alertou o dirigente.
A primeira palestra do dia foi do integrante do grupo que gerencia os estabelecimentos 20BARRA9 e 1835, Ranieri Monteiro, que contou como olharam para o comportamento do consumidor para executar mudanças no cardápio em parceria com o Frigorífico Silva, fornecedor de carnes da rede. Buscando sempre ser único, Monteiro exemplificou as ações com os estudos realizados em 2019, pré pandemia, com o entrecôte servido nos restaurantes. “Tu tens 15% a 20% dos consumidores que aceitariam pagar mais barato por um item inferior, e o mesmo percentual acima, de quem aceitaria pagar mais por um produto superior. Negociamos com o Frigorífico Silva e desenvolvemos um produto superior, que foi muito bem aceito pelos clientes, e um inferior, que passou a atender ao cliente de outro ponto de vendas, para almoço”, contou Monteiro, destacando que nem sempre a busca é pelo preço.
O representante do Frigorífico Silva, Gabriel Silva, falou sobre a necessidade de agregar valor a cerca de 75% dos cortes do boi que, em termos de mercado, não são as carnes mais valorizadas e que viram commodities. A solução, segundo ele, é agregar valor às carnes menos nobres, aquelas do dia a dia. “É um trabalho para ser feito não só pelos frigoríficos, mas por toda a cadeia”, afirmou.
Na sequência, o fundador da Prado Consultoria e Estratégias em Agronegócios, médico veterinário Roberto Grecellé, falou sobre os caminhos que precisam ser trilhados para um eficiente trabalho de valorização da carne gaúcha. O primeiro passo, conforme Grecellé, é entender que o mercado não pertence a ninguém, e que é formado por pessoas, características e valores diferentes, mas que querem consumir carne de qualidade. Portanto, devemos nos adequar ao mercado e não o contrário. “O mercado não é de ninguém especificamente. Nunca será dominado por um projeto apenas. O mercado muda a toda a hora. Muitos saem e poucos ficam, sobretudo no mercado da carne”, orientou.
Grecellé alertou que o Rio Grande do Sul tem ficado para trás em competitividade no mercado da carne, especialmente na comparação com Rondônia e Mato Grosso. “Em termos de competitividade, levam vantagem os mais ágeis, os mais eficientes, os que fazem mais em menos tempo e entregam o que prometem”, definiu. Grecellé citou os vários aspectos da competitividade, entre eles capacidade produtiva, comercial, econômica fiscal, logística, política e institucional. Por fim, o consultor vislumbrou que o mercado da carne de qualidade está no início e existe um Brasil a ser conquistado, e orientou a aproveitar a curiosidade que a carne gaúcha desperta em outros estados. Ao final, mostrou em slides a tecnologia usada na criação/reprodução de gados em outros estados.
Salientando que não tem bois nem relação com quem produz carne, o dr. Fernando Bastos encerrou o ciclo de palestras destacando que o brasileiro errou ao inverter a pirâmide alimentar. Especialista em Nutrologia, o médico iniciou falando sobre os nossos ancestrais e a evolução, do ponto de vista da alimentação. “Nós somos animais que temos a capacidade de ingerir carne mesmo crua, porque nossas enzimas são tão poderosas que neutralizam muito patógenos”, explicou. O médico mostrou que a pirâmide alimentar em 99% da existência humana teve produtos de origem animal na base. “Quem já fez uma trilha e encontrou uma couve-flor, um brócolis ou milho não plantado pelo ser humano? Não tem. Só lagarto, cobra ou coelho. Estes sim eram alimentos”, provocou.
Os mitos da gordura saturada, de que a carne causa câncer e causa impacto ambiental, segundo Fernando Bastos, provocaram a guerra contra a carne vermelha. “Esta agenda, que é entregue às pessoas todos os dias por todos os meios de comunicação, é mais perigosa para vocês (pecuaristas gaúchos) do que a concorrência com o boi de São Paulo e de Mato Grosso”, destacou o médico. Ele apresentou dados que mostraram que a gordura saturada não colabora para os riscos de infarto do miocárdio, que o gado não traz impacto à produção de carbono, que houve queda no consumo da carne e, em contrapartida, aumentaram os casos de câncer de intestino. Para finalizar, destacou que a indústria de alimentos, farmacêutica e de agrotóxicos são os concorrentes diretos dos pecuaristas e da indústria da carne. “A carne sacia, previne doenças e reduz o uso de defensivos”, alertou. Foi muito aplaudido, ao encerrar a palestra com a frase: “Vocês não produzem só carne, vocês produzem remédio de verdade”.
A presidente do Instituto Desenvolve Pecuária, Antonia Scalzilli, definiu o ciclo de palestras como um ambiente extremamente rico. “Conseguimos diversificar e trazer a Comunicação para dentro do ambiente de Pecuária, trazer o ambiente urbano, a presença do consumidor que hoje é extremamente engajado e precisa ouvir a Comunicação, a boa Comunicação, verdadeira, com dados científicos,” destacou. Antonia ressaltou, ainda, que os fatos científicos foram devidamente colocados e que, contra fatos, não existem argumentos.