Os produtores brasileiros de leite enfrentam anos de dificuldades financeiras, que se agravaram em 2023. A crise reflete um problema estrutural de ineficiência e falta de competitividade nas fazendas, além do aumento nas importações de produtos lácteos, principalmente da Argentina e do Uruguai.
No ano passado, as compras do exterior saltaram 68,8%, para 2,2 bilhões de litros. O setor chegou a pagar R$ 1,80 por litro, abaixo do custo de produção, estimado entre R$ 1,80 a R$ 2,25 por litro, dependendo da região, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite).
Em Minas Gerais, maior bacia leiteira do país, com produção de 9,4 bilhões de litros por ano, a Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) decidiu lançar o movimento “Minas grita pelo leite” para sensibilizar o governo e a sociedade sobre a situação do setor.
O movimento cobra do governo federal medidas de salvaguarda para os produtores de todo o país. Também pretende alertar a população sobre a crise enfrentada pelos pecuaristas leiteiros. Na segunda-feira (18/3), foi realizado um evento em Belo Horizonte com cerca de 7 mil produtores de leite de Minas Gerais para pedir ao governo federal medidas para barrar a importação.
O presidente da Faemg, Antônio de Salvo, e o governador mineiro, Romeu Zema (Novo), assinaram um manifesto que foi enviado a Brasília.Também foi instalado um relógio — batizado de “gritômetro” — na porta da Faemg para medir quanto tempo o governo federal levará para anunciar medidas de apoio ao setor.
Não foi o primeiro protesto do setor contra as atuais condições de produção e mercado. Em agosto de 2023, quando uma comitiva de produtores e representantes do setor lácteo foi a Brasília falar com deputados e governo federal para pedir medidas para frear as importações de produtos lácteos.
As importações de produtos lácteos ajudam a compor a oferta para consumo no país. quando há um forte aumento tende a gerar uma oferta de produtos maior do que a demanda. Os produtores locais são pressionados a reduzir os preços para conseguir vender. Outro fator é o preço do importado. De acordo com o presidente da Faemg, Antônio de Salvo, o leite em pó principalmente da Argentina chega ao Brasil a valores mais baixos porque a produção é subsidiada, derrubando os preços no varejo e ao produtor. A situação tem desmotivado parte dos produtores, que reduzem o número de vacas ou deixam de vez a atividade. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o número de propriedades de pecuária de leite caiu de 84,2 mil em 2015 para 33 mil em 2023. No curto prazo, o excesso de oferta causado pelo aumento das importações deixa a oferta maior e os produtos lácteos mais baratos para o consumidor. Os representantes do setor leiteiro argumentam, no entanto, que, se o excesso de oferta se mantém por um longo período, produtores podem desistir da atividade e a produção local pode cair. Com isso, o mercado brasileiro se tornaria mais dependente de importações e, consequentemente, mais exposto às variações de preços internacionais do leite. Além disso, qualquer variação no câmbio afeta o preço que os produtos podem atingir nas gôndolas. De acordo com a Abraleite, uma vaca demora em torno de quatro anos para produzir leite de forma competitiva. Por conta disso, a saída de produtores do setor afeta a oferta no longo prazo, sendo mais difícil a recuperação do setor. A associação considera que, ainda não há risco de falta de leite no mercado. Mas, se não forem adotadas medidas para amparar os pecuaristas leiteiros, o risco aumenta para o futuro. O leite importado, principalmente da Argentina, chega no Brasil mais barato que o leite produzido internamente no país por alguns fatores. Um deles foi uma espécie de subsídio concedido no ano passado. O governo criou um programa que pagava de 10 a 15 pesos por litro produzido por pequenos pecuaristas. A medida estimulou a produção na Argentina e as exportações de lácteos para o Brasil. Darlan Palharini, secretário-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados (Sindilat RS) acrescenta que o leite argentino é mais competitivo que o do Brasil. A logística é mais barata porque as distâncias são menores. E a produtividade é superior. “A Argentina produz 10 bilhões de litros de leite por ano, com 10 mil produtores. Minas Gerais, que produz 9,4 bilhões de litros anualmente, tem 216 mil produtores. No Uruguai, 2 mil produtores produzem 2 bilhões de litros por ano. Só isso já dá diferença na competitividade”, afirma Palharini. Segundo ele, o preço do leite ao produtor na Argentina gira em torno de US$ 0,35 por litro. No Brasil, é de US$ 0,45. A expectativa da Central de Inteligência do Leite (CILeite) da Embrapa é que os preços pagos ao produtor de leite em 2024 fiquem acima do valor registrado no ano passado. Em 2023, o preço médio ao produtor teve média anual de R$ 2,4680 por litro, 14% abaixo da média de 2022. Em janeiro deste ano, o valor aumentou 5% em relação a dezembro, para R$ 2,13 o litro na média nacional. Em comparação com janeiro do ano passado, no entanto, está 19,8% mais baixo. Glauco Carvalho, economista e pesquisador do CILeite, disse que a produção domésticafoi menor neste início de ano, o que ajudou a elevar os preços. Outro fator é a proximidade da entressafra no país. “A partir de março, abril vai ter produção de leite caindo na maior parte dos Estados. Isso traz pressão altista. Há incertezas, no entanto, em relação ao volume de importação”, afirmou Carvalho. O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, afirmou que o governo vai prorrogar as dívidas de crédito rural que vencem neste ano, incluindo as dívidas dos produtores de leite. Os investimentos que vencem em 2024 serão prorrogados de acordo com os contratos. Outra medida é a liberação de uma linha voltada para capital de giro para quitar dívidas do dia a dia. Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) trabalha para criar uma linha de Cédulas de Produto Rural (CPR) de capital de giro. Em Minas Gerais, o governo retirou as empresas importadoras de leite em pó do Regime Especial de Tributação. Com isso, passarão a pagar 18% de ICMS na venda dos produtos importados. Na semana passada, o deputado federal Zé Silva (SD-MG) propôs ao governo federal o direcionamento de R$ 1 bilhão para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para atender a modalidade de compra de leite em pó. Também sugeriu a inclusão do produto na merenda escolar em todos o país por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Em fevereiro deste ano, entrou em vigor o Decreto nº 11.732, assinado em outubro passado pelo governo federal, para desestimular a importação de lácteos. O texto estabelece que apenas empresas que não compram lácteos de países do Mercosul e participam do Programa Mais Leite Saudável, do Ministério da Agricultura, possam aproveitar até 50% do crédito presumido de PIS e Cofins da compra do leite in natura de produtores brasileiros. Os importadores têm o índice reduzido para 20%. A expectativa era que a medida pudesse conter as importações. Em fevereiro, foram 180 milhões de litros, com queda de 12,7% em relação a janeiro, mas ainda 18,9% acima do volume registrado no mesmo mês do ano passado. O governo também lançou no ano passado uma linha de capital de giro de R$ 700 milhões para cooperativas de produtores de leite, considerada por muitos insuficiente para amenizar os problemas do setor.Como as importações afetam os produtores brasileiros?
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