Foi para aproveitar a grande produção de leite que imigrantes holandeses começaram a fabricar queijos em Carambeí, cidade dos Campos Gerais a 140 km de Curitiba, com a marca Batavo, há quase cem anos. E foi para ajudar a escrever uma nova história para a soja, que não tinha mercado e chegou a ser chamada de feijão de porcos, que a Cocamar, cooperativa de Maringá (noroeste, 425 km da capital), passou a receber o grão há 50 anos e, em 1979, inaugurou uma esmagadora. De lá para cá, cooperativas e gigantes da área de alimentos vêm transformando o interior via industrialização e tornaram o Paraná o maior produtor de carne de frango e de tilápia do país e o segundo em suínos e leite.
Luiz Lourenço, presidente do conselho de administração da Cocamar, acompanhou o processo. Segundo ele, nos anos 1960 a soja era plantada no meio de cafezais e servia para alimentar suínos. Mas a produção de café entrou em declínio e, em 1969, quando inaugurou uma beneficiadora de algodão, a cooperativa foi estimulada a apostar na mecanização de culturas como soja e trigo. Cinco anos depois, a sugestão foi para que aproveitasse as linhas de crédito destinadas à implantação de indústrias no país. “Não era rentável, mas os volumes começaram a crescer e aproveitamos os subsídios da União para investir”, lembra o executivo.
A Cocamar começou com capacidade para processar 330 mil toneladas do grão. Na última safra, transformou 1 milhão das 2,3 milhões de toneladas de soja que recebeu de produtores em farelo e óleo refinado. “Precisamos de outra indústria de esmagamento”, adianta Lourenço. Estudos em andamento, podem demandar desembolsos de R$ 1 bilhão. A quantia é semelhante à investida pela cooperativa C.Vale, de Palotina, no oeste (595 km de Curitiba), que acaba de inaugurar uma esmagadora em seu complexo industrial.
Levantamento da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar) mostra que elas estão avançando em industrialização. Só para processamento de soja são 18 unidades, sendo nove para esmagamento e nove para refino e produção de itens como biodiesel, óleo, margarina e maionese. Juntas, elas processam 5,5 milhões de toneladas do grão por ano, ou 46% do total do Estado, e cada vez mais colocam suas marcas em gôndolas de supermercados do país.
Paralelamente, também devido ao cultivo de grãos, as cooperativas entraram na produção de aves. Hoje possuem 12 unidades de abates, com capacidade para 3,29 milhões de frangos por dia, ou 43% do total abatido no Paraná. Foi algo que começou pequeno, nos anos 1980, e não parou mais, resultando tanto em ampliação de capacidade como em automatização para suprir a necessidade de mão de obra, conta Flávio Turra, gerente de desenvolvimento técnico da Ocepar.
E os investimentos continuam. Para 2023, devem somar R$ 6,5 bilhões, sendo R$ 1,5 bilhão em armazenagem (para suprir o gargalo que ficou aparente na última safra), R$ 1,5 bilhão em industrialização de soja, R$ 600 milhões em beneficiamento de sementes e pesquisas, R$ 500 milhões em avicultura, R$ 400 milhões em lácteos e R$ 2 bilhões em outras áreas (como piscicultura, ração e fiação). As cooperativas paranaenses devem ter faturamento de R$ 200 bilhões em 2023, dois anos antes do prazo previsto se alcançar essa cifra.
Gigantes do ramo de alimentos também estão apostando no Estado. O diretor-presidente da Invest Paraná, agência de promoção de investimentos, Eduardo Bekin, diz que o segmento responde por cerca de 60% dos investimentos dos últimos anos. “Esse movimento de transformar commodities em proteínas está em linha com a questão climática e a previsão de desabastecimento alimentar”, comenta.
A última inauguração de uma multinacional de alimentos no Estado foi há um mês em Rolândia (região norte, 405 km da capital), onde a JBS investiu R$ 1 bilhão em uma unidade de salsichas e uma de empanados de frango para o mercado interno. Na ocasião, o governador Carlos Massa Ratinho Junior, que tem repetido que quer que o Estado seja “o supermercado do mundo”, pediu que a empresa construa um frigorífico de suínos no Estado. Duas semanas depois, ele conversou com dirigentes da empresa em São Paulo sobre o tema e sobre a viabilidade da instalação de uma fábrica de biodiesel.
João Campos, CEO da Seara, empresa do grupo JBS, diz que o Paraná é um Estado importante para a marca. “Temos 14 unidades da Seara, em dez cidades, e uma da JBS. Contamos com 14 mil colaboradores e o foco está na indústria de aves”. Sobre o pedido do governador, fala em consolidar a operação atual, mas admite que sempre são avaliadas oportunidades de crescimento. “Não temos suínos no Estado, foi uma sugestão para complementar nosso portfólio” afirma.
A JBS afirma que sua cadeia movimenta 1,6% do PIB do Paraná, segundo estudo da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) para medir a importância socioeconômica das atividades da empresa. Campos também ressalta a geração de empregos. Em Rolândia, o número de trabalhadores passou de 3,8 mil para 4,5 mil e deve chegar a 6 mil em breve. Preencher vagas tem sido um desafio para empresas e prefeituras. “A cidade tem feito um trabalho para atrair pessoas”, diz o executivo. Para o presidente da Federação das Indústrias do Paraná, Edson Vasconcelos, atos migratórios já são realidade no Estado. “É um desafio bom”, afirma, a respeito da oferta de mão de obra para as indústrias.