Setor tem sido afetado pela maior estiagem em quase um século
A falta de chuvas que afetou o campo do segundo semestre de 2020 até o início desta primavera derrubou o Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária brasileira no terceiro trimestre.
Segundo dados divulgados ontem pelo IBGE, a queda em relação ao segundo trimestre foi de 8%. Economistas ouvidos pelo Valor vinham projetando recuo, mas numa escala muito menor: de 2,5%. Na comparação com o terceiro trimestre do ano passado, de acordo com o IBGE, houve retração de 9%.
Recuos na comparação entre terceiros e segundos trimestres já são esperados, por causa do fim da colheita de soja, carro chefe do agronegócio nacional. Mas o clima e a revisão feita pelo IBGE para o crescimento do setor em 2020, que passou de 2% para 3,8%, elevaram a base de comparação e aprofundaram a tendência, pegando de surpresa os economistas. “Não foi uma revisão pequena”, disse Renato Conchon, chefe do Núcleo Econômico da CNA.
Em certa medida mascarados, de janeiro a junho, pelo bom desempenho da soja, os problemas climáticos prejudicaram sobretudo milho, algodão, cana, café e laranja, culturas cujas colheitas têm forte peso no PIB entre julho e setembro. E os reflexos negativos certamente serão notados também no resultado deste quarto trimestre, período em que cana, café e laranja continuam a ter grande influência no PIB da agropecuária.
Nas contas do IBGE, a maior queda na estimativa de produção anual é a do café (22,4%), seguida por algodão (17,5%), milho (16%), laranja (13,8%) e cana-de-açúcar (7,6%).
Mas não foi apenas a agricultura que apresentou problemas no terceiro trimestre e continua a preocupar.
Na pecuária o desempenho continua fraco, sobretudo na cadeia de carne bovina, em que a oferta é limitada e a demanda sofre com a queda do poder aquisitivo da população.
Com o baque observado no terceiro trimestre, são esperados ajustes consideráveis nas expectativas para o acumulado do ano. “Vamos rever nossas projeções para pior. Tínhamos expectativa de crescimento de 2,3% em 2021, mas deveremos ficar com 2%, no máximo”, disse Conchon.
Por causa da seca – a mais severa em quase um século -, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reduziu de 1,7% para 1,2%, em setembro, sua projeção para a alta do PIB do campo em 2021. Agora a expectativa é de novo corte. O mesmo deve acontecer nos cenários traçados por consultorias privadas, algumas das quais ainda trabalham com aumentos superiores a 2%.
Parte da sensação de surpresa também pode ser creditada aos preços das commodities, que continuam em elevado patamar e amenizam os problemas gerados pela redução da produção. Mas o fato é que o clima foi vilão, e ainda haverá efeitos dos problemas deste ano sobre as colheitas das culturas perenes em 2022 – embora, para os grãos, as perspectivas climáticas sejam bem mais positivas e a tendência é de nova produção recorde nesta safra 2021/22.
“É preciso considerar que o agro sofreu um choque climático sem paralelo nos últimos tempos. É efeito da natureza. Se o agro tivesse ficado em zero, o crescimento do PIB teria sido de 0,3% no trimestre”, avaliou Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica. O buraco na agricultura poderia até ter sido até mais profundo no período, não fosse o aumento da produção de trigo.
Renato Conchon, da CNA, lembrou que o setor agropecuário tem aumentado a participação no PIB do país. A participação da produção “dentro da porteira” no total, sem considerar as agroindústrias, saltou dos tradicionais 5% a 5,5% para perto de 7% em 2020, com a revisão realizada pelo IBGE.
Para 2021, a projeção da entidade era chegar a 7,9%, mas a fatia será menor. A CNA acredita que em 2022 o percentual poderá atingir 8,3% e que, a partir de 2023, com a recuperação de outros setores da economia, haverá um retorno para entre 5,5% e 6%.