Por Ricardo Pereira Manzano* e Vanessa Olszewski**
As leveduras da espécie Saccharomyces cerevisiae são organismos unicelulares importantes para produção de alimentos, bebidas, combustíveis e na indústria farmacêutica.
Nas últimas décadas, estudos vem demonstrando a viabilidade de diferentes produtos à base de leveduras para a indústria de alimentação e saúde animal com impactos positivos sobre a cadeia produtiva de proteína animal, substituindo antibióticos promotores de crescimento e reduzindo os efeitos das micotoxinas sobre a saúde, produtividade e qualidade dos alimentos de origem animal.
Os principais produtos à base de leveduras disponíveis para o mercado de alimentação animal podem ser subdivididos/classificados em dois grupos, conforme a sua funcionalidade por atividade biológica ou por componentes (Figura 01).
A Levedura Viva – ou ativa – são produtos com microrganismos que sofrem um processo de liofilização, interrompendo de forma temporária sua atividade para serem embalados e disponibilizados ao mercado para inclusão nas rações e suplementos fornecidos aos animais.
Segundo o AAFCO (2013), um produto comercial para ser classificado como levedura ativa no mercado norte americano deve apresentar a contagem de 1,0 x 1010 ufc/g de produto comercial.
Uma vez ingeridos, estas atingem o rúmen onde participam diretamente e ativamente no metabolismo ruminal, retirando oxigênio livre (O²) e influenciando positivamente as bactérias habitantes neste sistema, principalmente àquelas que digerem fibra e que consomem ácido lático. Desta forma, a ação indireta do controle do ácido lático do ambiente ruminal, resulta em maior digestibilidade da fração fibrosa da dieta e controle do pH, refletindo positivamente no consumo de alimentos e energia, melhoria da eficiência produtiva e da produção de proteína animal.
No entanto, os produtos à base de leveduras ativas, por serem constituídos de células vivas, impõem algumas limitações aos processos de produção e conservação nas rações, devido a perda de viabilidade/atividade das células de levedura ao longo do tempo. Também, o uso do calor para peletização ou extrusão reduz intensamente a viabilidade destes microrganismos, exceto se os mesmos forem protegidos. Outros fatores ambientais como temperatura, insolação, umidade e salinidade contribuem para reduzir a viabilidade das células de levedura durante a estocagem e o consequente fornecimento da quantidade efetiva para os animais.
O segundo produto do grupo classificado por atividade biológica é a Cultura de Leveduras, que se caracteriza como um produto que contém alta concentração de metabólitos obtidos previamente durante um processo de fermentação controlada.
Quando utilizamos a Cultura de Leveduras na alimentação dos bovinos, estamos fornecendo esses metabólitos, denominamos de “fatores de crescimento”, com o objetivo de estimular o crescimento de espécies presentes na microbiota autóctone (nativa) do rúmen, principalmente as bactérias fibrolíticas (degradantes de fibra) e consumidoras de ácido lático – como a Megasphaera elsdenii.
A diversidade das classes químicas incluídas dentro dos fatores de crescimento presentes no meio de cultura como aminoácidos, ácidos orgânicos, vitaminas, dentre outros, são obtidos em um processo de fermentação padronizado e anterior ao fornecimento dos animais não dependendo, assim, da viabilidade das células vivas de Saccharomyces cerevisiae para agir no rúmen. Por esse motivo, o produto é mais seguro na garantia de que os efeitos benéficos sobre as populações alvo autóctones do ambiente ruminal sejam obtidos. Outra vantagem é que fatores ambientais e de produção das rações não alteram a sua composição e capacidade de promover o efeito desejado.
A Levedura inativa é uma importante fonte de proteína, com fornecimento limitado de fatores de crescimento para a microbiota ruminal ou intestinal, uma vez que estes estão contidos no citoplasma envolto pela parede celular.
Para aumentar a funcionalidade dos seus componentes, a aplicação de um processo de lise da parede celular por hidrólise ou autólise, provoca uma maior exposição do seu rico conteúdo citoplasmático, além do aumento da disponibilidade dos glucomananos presentes na parede celular das leveduras. Assim, as Leveduras Lisadas apresentam como vantagem o fracionamento da parede celular, conferindo ação importante no sistema imunológico, proteção do epitélio intestinal contra alguns patógenos, além de estimular o crescimento de microbiota benéfica no sistema digestivo dos animais, pela exposição dos metabólitos presentes no citoplasma da célula de Saccharomyces cerevisiae.
No entanto, quando comparada à Cultura de Levedura, a quantidade de metabólitos disponibilizados pelo processo de rompimento da parede celular é menor, reduzindo significativamente a amplitude do seu efeito sobre o ambiente ruminal.
O produto que tem a maior funcionalidade classificada por componentes é a parede celular purificada, mais comumente denominada de MOS. Esta parede é rica em mananooligosacarídeos e beta-glucanos, com ações importantes e bem direcionadas no sistema imunológico local e sistêmico dos animais, além de reduzirem os efeitos de patógenos e toxinas sobre a integridade do epitélio intestinal.
Destaca-se também a capacidade dos componentes da parede celular adsorverem micotoxinas presentes nos alimentos, preservando a saúde animal e a qualidade dos produtos de origem animal como a carne, leite e ovos.
Os produtos mais utilizados na alimentação de bovinos são as leveduras ativas e nas últimas décadas, os produtos à base de cultura de leveduras vem ganhando espaço nesse mercado. Recentemente foi conduzido um experimento por Oliveira et al. (2021) avaliando o uso de Cultura de Leveduras e Levedura Autolisada na alimentação de bovinos de corte com peso inicial de 370 kg, terminados em confinamento por 133 dias.
O uso de Cultura de Leveduras (Cultron) na alimentação de bovinos confinados demonstrou aumento no ganho de peso, maior digestibilidade aparente da dieta (DAP) e melhor conversão alimentar (Tabela 01.)
Os resultados apresentados pelo uso de Levedura Autolisada demonstraram-se intermediários entre os resultados do tratamento controle e do tratamento com Cultura de Levedura.
Tabela 01. Digestibilidade aparente da dieta (DAP), peso vido de abate, ganho de peso médio diário, consumo de matéria seca e conversão alimentar de novilhos terminados em confinamento com dois produtos à base de levedura na dieta.
Este mesmo grupo de pesquisadores realizou um segundo estudo – ainda não publicado – com bovinos de corte de mesmo peso inicial confinados por 63 dias.
Foram avaliados 4 tratamentos em um esquema fatorial 2 x 2. Um dos fatores era a Cultura de Leveduras e o outro fator, um produto comercial formulado com enzimas fibroliticas. Novamente, o uso da Cultura de Leveduras apresentou aumento no ganho de peso diário (1,644 kg) dos animais (P < 0,05) em relação ao tratamento controle (1,368 kg).
Os ganhos de peso diário proporcionados com o uso exclusivo das enzimas (1,584 kg) ou a combinação das enzimas com a Cultura de Levedura (1,581 kg) não foram diferentes estatisticamente (P > 0,05) em relação ao uso exclusivo da Cultura de Leveduras, porém superiores (p < 0,05) ao desempenho dos animais do tratamento controle.
Neste segundo ensaio, pode-se confirmar que o uso da Cultura de Leveduras também melhorou (P < 0,05) a conversão alimentar em relação ao controle, sem deprimir o consumo de matéria seca.
Na maioria dos confinamentos nacionais e norte-americanos, utilizam-se como promotores de crescimento antibióticos ionóforos, que proporcionam melhora na conversão alimentar, ao custo da redução no consumo de matéria seca. A queda no consumo de matéria seca, principalmente no final do período de confinamento é preocupante, devido a maior demanda energética dos animais nesta fase final de acabamento da carcaça.
Muitas vezes, o ganho de peso nessa reta final, torna-se antieconômico para o confinador. Dessa forma Wagner et al. (2016) realizou uma meta-análise estatística para estudar o efeito da inclusão de diversos produtos a base de Cultura de Leveduras em vários experimentos com bovinos de corte confinados recebendo dietas com e sem ionóforos.
Estes autores observaram que o uso da Cultura de Leveduras melhorou a conversão alimentar (p < 0,01) no período de terminação e detectaram uma queda menos acentuada na curva de consumo dos animais confinados no final do período de confinamento (Figura 02) quando foi fornecida a Cultura de Leveduras.
A menor intensidade da queda no consumo de matéria seca sem prejudicar a eficiência alimentar dos animais é desejável, uma vez que reduz o risco de perda financeira nas últimas semanas de engorda dos animais, fenômeno comum na maioria dos cenários de preços de insumos e do boi gordo no Brasil.
Como conclusão, os produtos à base de leveduras são há muito tempo utilizados na nutrição animal. Entretanto, novas tecnologias e análises permitiram uma evolução nestes produtos com utilidades bem mais direcionadas para fins específicos. O emprego da cultura de leveduras na alimentação de ruminantes tem se mostrado uma excelente ferramenta de produção de carne com aumento na eficiência alimentar, melhorando o desempenho econômico em sistemas intensivos de produção de bovinos de corte. Além disso, a possibilidade de substituição de antibióticos por produtos naturais à base de leveduras, possibilita a produção de carne segura para o consumo humano, contribuindo ainda para a sustentabilidade e equilíbrio do meio ambiente.
As citações bibliográficas podem ser solicitadas para o autor através do e-mail: [email protected]