A queda no preço da arroba do boi gordo nas últimas semanas, pressionada pelo fraco escoamento de carne bovina no mercado doméstico, mesmo com exportações em alta, é um dos fatores que devem limitar o segundo giro de confinamento de boiadas este ano. Na avaliação de participantes do mercado, a tendência é de que a engorda de bois confinados neste segundo semestre fique próxima da estabilidade ou registre tímido aumento.
O gerente técnico nacional de confinamento da DSM, Hugo Cunha, aponta que, nos últimos dez anos, a média de crescimento anual de animais confinados foi de 5%, com exceção de 2020 e 2021, quando a atividade evoluiu menos, cerca de 4%. “Para este ano apuramos que o aumento deve ser de apenas 2%, passando de 6,65 milhões para 6,80 milhões de animais”, diz Cunha ao Broadcast Agro. A DSM, multinacional de nutrição animal, realiza, entre seus clientes pecuaristas, um censo anual sobre a intenção de confinamento.
A esta altura, os animais a serem engordados no cocho já estão alojados ou prestes a entrar no sistema. O confinador, porém, ressabiado, segue de olho no principal indicador para a atividade: o valor da arroba do boi gordo na bolsa B3, que aponta as cotações em contratos futuros de venda. Embora o contrato com vencimento em outubro, o mais líquido, tenha se encerrado ontem (8) em alta expressiva de R$ 4,10 por arroba ante a terça-feira (6), para R$ 313,60, a média negociada pelo vencimento nos últimos dias está aquém disso, em torno de R$ 307, segundo o sócio-diretor da Scot Consultoria, Alcides Torres. O setor de confinamento projetava, para este contrato, valores entre R$ 330 e R$ 350 a arroba, que seria um piso remuneratório para a atividade, apontam participantes do mercado ouvidos pelo Broadcast Agro.
Nem mesmo a queda nos preços do bezerro no segundo trimestre deste ano, que recuou 13,5% de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), além da entrada, em massa, no mercado, do milho safrinha – o principal insumo da operação, que passou o ano inteiro com cotações em alta – resultaram em reação positiva da cadeia pecuária para alojar mais animais neste segundo giro, em função do barateamento de custos, de acordo com Torres. Pecuaristas temem pelos riscos de se ter ou não, mais à frente, uma arroba que compense os custos da produção intensiva na hora da venda do boi gordo e optam por se abster da atividade.
O receio se dá, segundo Cunha, da DSM, pelo fato de o criador que já possui boiada terminada, ainda do primeiro giro, estar com a rentabilidade baixa e, em alguns casos, negativa. “Há um risco alto de se colocar o animal no cocho neste segundo giro”, reforça o executivo. “A B3 não está sinalizando futuro animador, há um deságio grande para praças fora de São Paulo”, continua. “Em Goiás, por exemplo, a referência para o boi gordo está em R$ 260/arroba, enquanto uma diária no confinamento segue entre R$ 18 e R$ 20 por animal. Desta forma, a arroba teria um custo de R$ 250 e R$ 260 (até a terminação do boi, em cerca de três meses)”, explica. Por isso Cunha não vê estímulo para se ter um segundo giro “cheio”.
Torres, da Scot Consultoria, confirma que pecuaristas estão apreensivos com o preço da arroba, que segue pressionada pela fraca demanda no mercado interno. Ele diz que há dois cenários neste momento: de um lado está o criador que se programou, comprando insumos antecipadamente, e que vai com certeza confinar no segundo giro este ano. Do outro, está aquele que ficou em dúvida sobre alojar ou não o animal no cocho. Neste caso, o pecuarista preferiu não assumir o risco de as boiadas não ficarem tão remuneradoras e cancelou o confinamento este ano. “A turma que deixou para resolver agora, esperar primeiro o preço do boi para depois decidir, acabou perdendo o timing”, diz Torres.
Cunha, da DSM, conta que o censo nos confinamentos realizado pela empresa tem indicado que a quantidade de boiadas em terminação intensiva está concentrada em grandes confinamentos. “Hoje, aqueles que engordam mais de 10 mil animais são responsáveis por 50% do rebanho brasileiro confinado, enquanto os pequenos, que alojam menos de mil animais, são responsáveis por 5%”, diz.
Em um passado recente, porém, Cunha lembra que os pequenos tinham grande participação na atividade, mas foram desistindo por causa do custo de produção proibitivo. “Então, em número de confinamentos eles seguem sendo representativos, mas em quantidade de animais dão um número restrito.” Por isso, o sistema de engorda via boitel está tendo forte crescimento, de acordo com o executivo da DSM, trazendo uma mudança no perfil do segmento. “O pequeno (produtor), em vez de engordar os bois em estrutura própria, acaba transferindo seu animal para os boitéis”, diz ele, referindo-se ao sistema em que o pecuarista envia o boi magro para engorda em estruturas de terceiros e paga um “aluguel” por animal alojado até a data do abate. Após o desconto dos custos, o lucro é repartido entre o dono do boitel e o pecuarista. “Entre as razões (para a transferência dos bovinos aos boitéis), estão a limitação da mão de obra, insumos mais baratos e a logística. O produtor que não acompanhou a evolução (tecnológica) ficou para trás”, analisa o executivo da DSM.
A Fazenda Santa Fé, localizada em Goiânia (GO), é uma das que realizam o planejamento apurado antes de decidir quantos animais engordar no cocho. Mesmo assim, retraiu a atividade este ano, informa ao Broadcast Agro o proprietário, Pedro Merola. No ano passado, a Santa Fé confinou 72 mil animais e, este ano, embora vá engordar um número levemente superior, 75 mil, tinha como previsão inicial 90 mil animais. “Estamos operando com 50% da nossa capacidade neste segundo giro. O mercado está retraído, com o pecuarista mais cauteloso em razão dos preços decepcionantes para a atividade. O mercado interno (de carne bovina) está todo travado”, diz Merola.
No que diz respeito a preços, a viabilidade do confinamento é definida por três fatores principais. O boi magro, que compõe cerca de 70% do custo do boi terminado em confinamento, o milho, cuja participação varia conforme a dieta, mas em geral é o principal componente, e o preço de venda, o boi gordo. Um ponto de otimismo vem em relação a este último item, na avaliação do vice-presidente da Associação Nacional da Pecuária Intensiva (Assocon), José Roberto Ribas Filho. Conforme relata ao Broadcast Agro, ele vê espaço para que a arroba se fortaleça no fim do ano, com aumento no consumo de carne bovina pelo mercado interno, que pode ser motivada pelas eleições, pagamento do 13.º salário e a Copa do Mundo. “Acredito que haverá uma boa subida na arroba do boi no fim do ano”, diz. Até lá, porém, o confinamento passa a segundo plano, já que, com a volta das chuvas, o pecuarista opta por sistema de engorda mais barata, a pasto.